Poemas de Andar

Andança

Elane Tomich

Faremos

esta inevitável andança pela vida.

Levaremos

florais e coisinhas eventuais

Mochilas nas costas,

metas não convencionais

traçadas em mapa

a serem desvendadas

ou, em passadas construídas

durante a caminhada.

Atravessaremos a grande duna.

Escorregaremos por encostas

macias, fora da gente,

sovando, de repente,

dentro do peito, escarpas.

Desvendaremos as lacunas

ou será que construímos vazios

em repetidos rodopios

nas pegadas que desfizemos?

Qual o ângulo certo do compasso?

A lacuna parida,

é a meta que escondemos?

Nosso tesouro e segredo

é o nosso camuflado medo?

Acertaremos o passo

e as conveniências...

Precisaremos

de cordas de sisal

hífens e combalidas reticências,

atando por dentro

o que for preciso lá fora.

Espaço não avistado agora,

sentido inominado escora

no impulso, o atributo.

Escalaremos ainda

a emoção da aventura

do peito, interna catedral pura

pedras de dores mumificadas.

Reencaminharemos ao paraíso, o fruto!

Acharemos um rio de corredeiras.

Um de nós enfrentará o vôo nas águas

Outro, ficará à beira,

pescando tambaquis

colhendo folhas de bananeiras

e frutos de jataí.

Lançarei o anzol ao fundo do coração

e lá serão fisgados

a dor, a complacência,

os alevinos embriões de amor

em não vivida inocência

Pararemos em alguma estação

qualquer, Esperança ou Paz.

Tanto faz...

Que o sentido maior

é a emoção do mutirão.

Teus olhos confirmarão

advérbio de algum lugar

e escorrerão por entre os dedos

das minhas mãos,

poeira invisível

ânsia insana da busca palavra certa,

aquela que te impressionaria

pouco mais que o sofrível.

Na palma da mão aberta

a inconfidente alegria

dos rabiscos e riscos

do verbo mais-que -amar.

Passeio de Outono

Elane Tomich.

... sobrara um restolho de sol,

quando um certo ar do outono

rabiscou-nos de arrepios

apartando nosso abraço.

Preguiça frouxa nos laços

sussurros da noite em prol

da batalha contra o frio

saga nossa do abandono.

Paisagem diferente,

nesta chegada ao exílio

no chão de dentro da gente."

...do latifúndio do medo

vinha toada em segredo:

"pior o aquecer que se apaga

deixando no peito a brasa."

Tu, em vagas, me dizias:

" o tempo pulsa em teus braços

com tremores de abandono".

Ao qu'eu a ti, respondia:

"meu amor, é só o outono!

veja a folha que se perde

dançando na ventania

na despedida do verde"

.Um cristal deslagrimado,

caindo ao chão da face!

Pedra de amor indo embora.

no leito de um rio rachado

que antes de secar, para!

Como se tudo morasse

num carrossel pau de arara,

roda de espera e demora.

.

A-deuses velhos, sem jeito,

e o sarcasmo das horas

deitaram-se em nosso leito.

Exato ponto em que choras,

por um horizonte precoce,

cão que se afasta sem dono.

Tempo girando em ciranda

a fé, a dor e o abono

qu'em reta a vida não anda

assim como se não fosse...

Foi nosso último outono!

CAMINHADA

Elane Tomich

Parti de grande saudade

Verdadeira eternidade,

Abri uma porta indecisa

Tentando achar a divisa

Entre a estação das secas

E a época das tempestades.

Talvez deva ir a Meca

Em busca de outra verdade

Talvez entrar numa igreja

Ou seja lá, o que seja

Abrir minha própria estrada,

De amor, noutra empreitada.

Na Rota do seu Perfume

Elane Tomich

Na rota de seu perfume,

sigo

e, não saio imune.

Sei, que não obstante,

o perigo

é ambulante.

Pode estar na esquina,

ou no opaco

da sua retina.

Estarei no seu mirante

marco

de um só instante.

Vejo aquarelas d'alma

e em você

águas calmas.

Do acaso, estreante,

quero ser

seu praticante.

Lábios aveludados,

e amolecer

pecados.

Ai... reecontro a rotina

à mercê

de uma buzina.

A voracidade dos prédios

prevê

nossa volta ao tédio!

Estrada

Elane Tomich

Meu companheiro de nada,

pise comigo esta estrada

não veja em mim completude,

que a alma é de grande amplitude,

de tal porte, que amiúde,

juntos iremos sozinhos,

ombro a ombro em igual caminho.

Cada qual leva um estilhaço,

de um arco-íris, pedaço,

até juntarmos as cores,

dos nossos matizes de dores,

dos nossos pedaços de cruz,

e, estaremos, certamente,

no ponto, em que exatamente,

um arco-íris em cruz,

será nosso abraço de luz.

Procissão

ElaneTomich

Andei um trecho do dia,

muitos eus, todos sem nome,

com outros tantos pronomes.

Vultos sós, em romaria.

Não era rua ou estrada,

crepúsculo ou alvorada,

trilha de ouro, trigal

(que nunca vi, mas pensei).

Cada pendão, radial,

de uma luz matinal,

de sonhos que não plantei.

Minha alma, em procissão,

desses eus tão diferentes

uns tristes, outros contentes

dispersos na multidão.

Um tem meu nome e registro,

outro, um vulto sinistro.

Um, ama a filosofia,

outro, veste fantasia.

Todos são alegorias,

de minhas verdades- mentiras,

desejos em hierarquia,

matizes de cinza em tiras.

Elane Tomich

DOR DE ESTRADA

Elane Tomich

Dor de estrada

Acaba em curva,

Dor de balada

Em lágrimas, turva,

Escorre em vales,

Duras encostas.

Tão verdes males

de mim não gostas,

tento façanhas

rolando escarpas,

subo montanhas

quebro meu verso.

Sinto as farpas

Do meu inverno,

No meu avesso

Acho um desvio,

Flutuo e desço

Em minhas veias.

Como nas águas

de um quente rio,

e nesse cio,

em quedas d'água,

sinto anseios,

quebrando mágoas

Andarilho,

Elane Tomich

Trazes no olhar

O brilho

De outro lugar.

Caminhante,

Trazes no peito

Ofegante,

Um falar de

outro jeito.

Peregrino,

Trazes nas mãos

Um sino,

Hino

De outros

corações.

Chegada ou Partida

Elane Tomich

Não! Não foi assim tão ruim,

estar entre o sonho e a verdade.

Acordar com frio, sim,

transpondo o portal da saudade.

Não sei se revolta ou volta,

ou, se foi dever de partida.

O que vi de volta à volta

não sei se era morte ou vida .

No meu peito embolorado

saudade com data vencida.

punha-me em dois lados,

de um infinito resumido.

Do lado do ir embora

coube a um hiato de memória

definir, certeira, a hora

de contar e ouvir histórias.

A mão, a mim estendida,

fosse ela de quem fosse

convidava uma ida à vida

mas a asma trouxe a tosse ...

No meio de duas idas

e de uma chegada e meia

uma paixão dividida

calou-se na pré-estréia..

Na casa desta charada

onde sorriu-me o sorriso

um anjo de asa quebrada

sem um pingo de juízo...

...veio, desvencilhar-me da ida

condução em travessia

à chegada da saída

onde o medo se esvazia!

Se alguém por um acaso

também viu este anjo

com um sorriso de ocaso

e olhos que sonham banjos...

...diga-lhe que não o esqueço

dentro da minha saudade!

Ele sabe o endereço

da minha perplexidade.

VIAJANTE

Elane Tomich

O que é o que é,

que trazes do amanhã

no teu bornal tão cheio?

Espanto , intenções de afã,

contas repletas de fé,

ou sonhos com recheio?

Pusestes na tua sina arreios

ou te deixastes ir,

sem teu rumo distinguir,

ao Deus dará sem freios?

Encontrastes " A Cruz da Estrada"?

( É o poeta quem pergunta! )

Ou parastes na encruzilhada

e o "sem porquê" te assunta?

É de ontem tua bagagem,

repleta do que não alcanças

ou, desta viagem

CAMINHO DE SANTIAGO

Elane Tomich

Metade de mim foi a passeio

Metade entrou no coração

Hibernou-se no entremeio

De calcificada emoção.

De repente foi um meio

De enganar a ilusão

Um coração com recheio

De entre folhas, doce paixão

Metade de mim foi dormir

Outra metade sonhar

Entre duendes e magos

Hoje me ponho a rir

De tanto sonhar viajar

o Caminho de Santiago