DIOSKOUROS

DIOSKOUROS

Eu penso...

Eu existo...

Eu quero...

Eu labirintado na Constelação de Ariadne...

a das belas tranças, ó pobre criança!

É inverno, Apolo! Rumo ao refúgio na Hiperboreana.

O abandono do “daimon”...

derrisão...

o tirso na mão, o martelo n’outra,

o estrondo no chão!

eu, mísero mortal, enxergo a dor,

o corpo é fio condutor

na dolorosa-esplendorosa transmutação...

Ió, ió, ió,

ouvi minha voz, ó Dioniso!

Ió, ió, ió,

ouvi minha voz, ó Bacas lídias!

Ó loucas rodopiantes,

filhas do pai famoso,

do pai formoso, o da bela cabeleira loira!

Dioniso mergulha nas ondas salgadas,

demoníacas, dionisíacas,

em par junto às Nereidas do fundo do mar.

Ió, ió, ió,

eia, divino Dioniso mar e sal!

rodeado de ninfas agrestes de sacras melenas,

eia, pois, furiosas Bacantes de Atenas!

... eu corpo mente impulso nós de impulsos

eu plural marginal

retorno ao corpo

à terra

à celebração da vida!

Ió, ió, ió,

eia, DiosKouros! O belo menino de Zeus!

Eia, o senhor das árvores!

Eia, o desregramento de todos os sentidos

e os temores banidos!

Eia, o rebento das Górgonas lídias!

Sopra, sopra, sopra o vento de inverno,

deixo de ser folha em desalento, ao vento...

Eia, o tirso revestido de heras!

O tirso feito foice...

e num intempestivo e louco sopro

recito, palavra por palavra, o “Ulisses”, de Joyce...

“Majestoso, o gorducho Buck Mulligan apareceu no topo da escada, trazendo na mão uma tigela com espuma sobre a qual repousavam, cruzados, um espelho e uma navalha de barba. Um penhoar amarelo, desamarrado, flutuando suavemente atrás dele no ar fresco da manhã. Ele ergueu a tigela e entoou:

‘_ Introibo ad altare Dei...’” *

Ió, ió, ió,

eia, Dioniso!

deus trágico, fatal...

eu plural instinto afeto mente desejo vontade de...

memorizo toda a obra de Proust! Delírio místico!

... escrita na pele na mente na derme no corpo nas entranhas na epiderme nas vísceras na hipoderme...

“Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo. Às vezes mal apagava a vela, meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar: ‘Adormeço’...” **

Ió, ió, ió,

eia, Dioniso,

o coroado de heras!

Deus trágico, sanguinário, metamorfoseador,

saído da coxa de Zeus,

a orgia báquica,

a embriaguez.

Eia, forasteiro selvagem,

força feminina,

noturna,

Dioniso, deus efeminado!

com as graças de Afrodite nos olhos!

vida errante,

direção ascendente...

Quero mais, sim, mais, eu quero mais, sim!

quero a vida como espetáculo para os deuses!

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*Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro.

** Tradução Mario Quintana.

Prof. Dr. Sílvio Medeiros

Campinas, é inverno de 2007.