Dos efeitos maléficos do dicionário e da estricnina

O poeta sente dor.

E dor de poeta – é sabido – dói muito;

dói mais que fila de pronto-socorro...

O poeta vai ao bar

e pede um girgolina

ao dono, crasso, que lhe interroga

pois desconhece tal “coisa”.

E diz o poeta:

— Ó ser inepto! O que tu és?

Não lês um dicionário?

Pois anda, ignaro e obtuso,

que eu quero sorver um letífico

e calar o anseio de minha alma...

E o poeta se volta para a sua dor.

O outro corre aos fundos do bar e sua casa

e folheia um velho dicionário, apressado.

Não gosta do “inepto” que lê

e menos de entender-se obtuso...

Vai ao “letífico” e encontra dois.

Pensa consigo: “Ora, pois, se é assim...”

Ele fecha o volume e abre um estranho sorriso.

Volta ao bar onde o poeta ainda se dói, de olhar ausente

até que se depara com dois copos no balcão à sua frente.

Não pediu dois, mas não pergunta.

O outro, indiferente, lhe diz serem ambos o pedido

e manda que escolha o letífico que lhe aprouver.

O poeta titubeia, mas toma um de um só trago.

Paga, ganha a rua, cambaleante

e morre, pelo dicionário...

No balcão cheio de moscas

sob o olhar sarcástico do dono

o outro letífico,

girgolina ou cachaça,

permanece intocado!

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Dos maléficos efeitos...

(versão popular, feita para um "crítico" literário)

O poeta sofre, vai ao bar tomar um trago

mas se arroga uma sabedoria que não tem

tanto que ofende ao barman

e é vítima da própria ignorância...

O termo é vago, mas a constância da dor

é ponderável aos olhos da medicina:

melhor tomar cachaça

que tomar estricnina!

Poeteiro
Enviado por Poeteiro em 09/10/2005
Código do texto: T58006