À margem do rio da vida eu vi

À margem do rio da vida eu vi

A imagem de cores dolorosas,

Diante das cenas, gemi, senti

Gélidas ventanias pavorosas.

As pernas tremeram e eu caí

Nas águas tristes, águas horrorosas;

Não respirei, logo ali morri,

Misturei-me com as cores penosas.

Então passei pelo que mais temi,

Hoje só me resta contar histórias.

No santo início, havia ferro

Gelado como a foice da Morte,

Fraco, gritei um afogado berro,

Mas o ferro era muito mais forte.

A minha cabeça foi espremida

Por uma força sem comparação,

Pela saída esvaiu-me a vida,

Tiraram de mim o meu coração.

Anjo de branco Maria assistia,

Suco de vida vi em sua mão.

Em seguida eu me tornei um cão

De raça vendido ao novo dono.

Não me avisaram, era um ladrão,

Pelo seu terno eu era o nono.

Frios, os anjos me jogaram à maca,

Frio, senti mãos de anjo em meu peito,

Vi o mesmo suco, a mesma marca,

Espalhada toda pelo meu leito.

Anjos botaram-no em uma caixa,

Fui descartado, cachorro sarnento.

Era agora, apesar da hérnia,

Mais forte do que nunca pude ser,

Em meio ao sono, porém, água fétida

Botou um fim ao meu envelhecer.

Ponto mais quente da jornada épica,

Risos eu ouvi antes de morrer.

Novamente nem sequer uma préfica,

Anjos novamente em meu sofrer,

Ter meu coração é falta de ética,

E falta de moral é poder ser.

Algo agora pior que a água

Fazia feder todo o meu quarto,

Gritei por anjos, mas ninguém nem nada

Quis atender um fraco velho chato.

Fiquei por meses naquele inferno

Perdendo todas as minhas memórias

Antes de partir para o mistério

De onde nunca voltaram histórias.

Meu coração com cheiro de cocô

Aonde fui não me acompanhou.

Nadei para fora do rio da vida,

Tossi, engasguei, meus olhos ardiam,

Fiquei encolhido, eu não podia

Lidar com dores que almas sentiram.

Afastei-me, voltei a minha casa,

Mas a família me chamou de louco...

À refeição, eu dei uma garfada

Na carne que tínhamos para o almoço.

2/11/2016

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 02/11/2016
Reeditado em 04/11/2016
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