O Corpo da Obra

Nesta noite o céu tempestuoso será meu papel

E minhas letras serão os trovões

Que imitam o som de ilusões

Furiosas e risonhas como a cascavel

Nesta noite me entrego, não de corpo e alma

Pois só o primeiro existe

O corpo, o Ser em que reside

Tudo o que realiza e destrói, apaga e inflama

Na bandeja repousa minha carne pulsante

E, do outro lado da Terra das Solidões,

Aguardam famintas as minhas paixões

Com dentes que sussurram sorrisos salivantes

Venham, minhas amantes!

Antes que a solidão me estraçalhe, serei todo seu!

A escuridão da existência é como breu

E já roubou até o brilho dos diamantes

Olhem, vejam só! A carne palpita

À música dos trovões, a carne grita

O corpo se desfaz e se decompõe

Enquanto este poema apaixonado compõe

A pele derrete e beija o papel

As letras se tornam carne pulsante

A tinta se torna o meu sujo sangue

Que escorre como os raios do céu

De tanto me entregar às paixões e ao poema

Estou me integrando à obra

O poema já não rima mais

Pois estou me tornando ele

E sou imperfeito.

Vou me derramando sobre a folha

Como um fantasma se derrama pela eternidade:

Lentamente e sem volta.

Cada traço do poema

É um traço de mim.

Meu corpo se mistura às palavras

E não há alma para ser salva

Somente o corpo é o culpado por existir

Culpado de todas as suas decisões

Culpado por se entregar às paixões.

As paixões me mordem lentamente

Na dor, lágrimas brotam da minha face seca

Como flores de vidro no deserto.

Minha face já está no papel

Olho para cima e me vejo sem rosto

Minha carne dança em letras vermelhas

O coração... para de... bater... entre as... reticências...

Mas é morrendo assim

Que alcançarei a imortalidade

Me criando

Na destruição.

Pois o poema viverá

Eu me tornei ele

E ninguém... lhe colocará... um ponto... fin...

Lumontes (Lucas Montenegro)
Enviado por Lumontes (Lucas Montenegro) em 08/11/2016
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