Se tu olhares no fundo do poço

Se tu olhares no fundo do poço

Tentando enxergar água em seu fundo,

Vais encontrar só inócuo fosco

Vazio devorador de barulho.

Foi o que mostrei à pobre criança

Dois segundos antes de empurrá-la;

Era mente tão inocente e mansa

Não hesitei em verdade ensiná-la.

Coitada rezou que lá haja prêmio,

Sangrou as bordas tentando um freio.

Pena. Acho que eu sou desumano,

Mas minha frieza tem seu valor:

Agora o menino que era sonso

Sabe mais que o rei sobre a dor;

A dor, a vida, o céu e inferno,

Todas mais profundas filosofias,

Esse menino findou o mistério

Findando enfim seus sagrados dias:

Depois da morte não há a vitória,

Tampouco, portanto, há a derrota.

Mas que adianta crer na razão

E sensatez do materialismo

Se esta diz que o meu coração

É só tecido molhado e roliço?

Prefiro ser pérfido à verdade

Do que servir a uma de mentira,

Mas como vou expulsar a maldade

De mim se creio que é relativa?

Desde que caí no poço e morri

Nunca mais pude sentir que senti.

Dai a razão a minha desrazão,

Ó Pai divino que não me assiste,

Mostrai de meu erro a proporção,

Mostrai que a santidade existe!

Pois neste poço só há cheiro pútrido

De minha carne na áspera pedra,

Não aceito que já descobri tudo,

Têm de haver asas a esta queda!

Pois do contrário, ó Pai, que eu faço?

Estou fadado a ser um palhaço?

Se tu olhares no fundo do poço

Tentando enxergar água em seu fundo,

Vais encontrar só inócuo fosco

Vazio devorador de barulho.

É isso tudo o que eu espero,

É isso tudo que vejo aqui dentro;

Joguei-me para enxergar mais de perto,

Mas estou cego, de sangue estou cheio.

Se não tiver agasalho no inverno,

A mim também serve ir ao inferno.

Quero que haja vitória e derrota,

Quero que haja bondade e maldade,

Antes prefiro minha alma rota

A nunca tê-la tido de verdade.

Mas minha razão... Minha maldição!

Por que me diz que este sangue é tudo?

Que bem ou mal, cada lado é vão?!

Que religião é só um escudo?!

Santificai-me, ó Pai, ou matai

Esta carcaça que a nada vai.

13/11/2016

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 13/11/2016
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