O Manifesto da Arte

A Arte divaga no fim do começo

e vai além. Desvenda no que esconde,

vai às montanhas, entra em cavernas,

sobe nos telhados e a todos diz:

- Eu sou a Arte, não simples parte.

Há Arte na voz que cala

e no silêncio da multidão que fala.

A natureza se despe com Arte.

Vê-se Arte nos teus olhos,

roda de bicicleta sobre a cadeira,

no prédio de vinte andares

e no barraco de madeira.

A Arte não tem medida.

A Arte é atrevida.

Mora no fim do mundo

ou num puteiro imundo.

É a palavra que falta no verso.

É o retrocesso da vã guarda.

AnteArte, Arte, AntiArte.

Arte antítese da Arte.

Com a cabeça enterrada no chão

toca as estrelas e vê o inferno.

Uma letra esquisita,

um pingo na tela

e todas as cores

de uma aquarela.

O teatro de revista

e o cinema novo:

a Arte revela-se ao povo.

A Arte dos andarilhos:

Hermeto, Sivuca, Carrilho.

A Arte de pé em pé:

Maradona, Zico, Pelé.

A Arte como ela é:

Tom Zé, Noel, Noé,

Patativa do Assaré.

A Arte encontra lume

em Manos, Browns e Antunes.

A Arte rouba a cena,

inverte o problema,

ganha o dinheiro que joga no lixo.

A Arte vive, não morre,

não perde o foco.

A Arte do improviso:

Aragão, Golias e Anísio.

A Arte dos palhaços belos:

Oscarito e Otelo.

A Arte pela candura

é Carlitos em suma ternura.

A criança sorri e a entende,

o homem a banaliza,

A Arte é imprecisa

escrava que se escraviza.

Há Arte num prato vazio,

num vaso de flôres,

no adeus tardio e

no fim dos amores.

Vai a festas sem ser convidada,

nas portas é barrada,

alguns a deixam entrar,

pobre de quem a quer rotular.

Há Arte onde não há Arte,

lugar nenhum, em toda parte,

Arte bendita Arte,

no encontro casual,

no Fundo de Quintal,

na roupa no varal,

na conjunção carnal,

é algo visceral.

Coma Arte, beba Arte,

durma Arte, sonhe Arte,

transe com a Arte.

A Arte eleva a mente

e infecta os ossos.

A dúvida do Eco de Cecília,

a Pedra no Caminho de Drummond,

os bons mineiros no Clube da Esquina,

Vinícius, Jobim, João,

a Tropicália deliciosa dos doces Baianos,

Pixinguinha, Bandolim, Jackson e os Gonzagas.

A Arte tardia e tranqüila

de Cartola e Coralina.

O "cinquecento" é brasileiro

Viva Aleijadinho!

Arte se faz com Arte

Salve Portinari!

Lógica hipócrita,

dúvida exótica,

desleixada e emproada,

mãe e puta,

santa e bruxa.

A Arte é louca,

afinada e oca,

é tijolo na vidraça,

um jogo de trapaças.

Memórias Póstumas de Quaresma,

Triste fim de Brás Cubas,

a Arte se funde em prol da Arte,

faz e desfaz,

movimenta mãos, bocas, pés, vidas e...

idéias.

A fé é Arte, o Amor é Arte,

o ódio é Arte, nós somos Arte.

A noite, a lua e a mulher.

O menino, o velho e o sino.

As bandeiras e o bardo Bandeira.

A alma, a arma, o sim e o não.

O talvez, o depois e o senão.

O plástico, a pedra e o carvão.

Um bar cheio de bêbados solitários.

O altar de uma igreja.

O leite derramado e espúrio.

O mal, a culpa e a inveja.

A Arte é alegremente triste,

existe onde nada existe,

não defende, não define,

apenas se entrega ao artista,

mesmo quando este não a quer.

Deus impulsionou a Arte

quando lançou um anjo rebelde na Terra.

(In: O Perfume do Tempo, 2005)

Vicente Miranda
Enviado por Vicente Miranda em 28/07/2007
Código do texto: T583013