No banco de trás do carro dos meus pais
Não, eu não sei de nada. Me ensine por favor
Eu não sei falar ou ser.
Minha boca é um cemitério de assuntos, minha língua é a lápide
Minha sombra anda se encolhendo pelas ruas. Tenho medo.
Hoje minha mãe pendurou lençóis brancos no varal. Eles lembram fantasmas
Fantasmas que se arrastam pelo meu nome
Eles me perseguem no banco de trás
Do carro dos meus pais.
Lugares que eu nunca vi na vida me parecem nostálgicos
Eu sinto muita saudade de pessoas com quem eu nunca falei
De coisas que eu nunca vivi.
Essa música me lembra aquele lugar
Mas eu nunca estive lá. Nem nunca ouvi essa música
Crio essas memórias, crio um lugar imaginário, invento um passado
Talvez isso seja mania de quem não consegue inventar um futuro.
Medo do futuro.
Não faço nada. Sou guiado no banco de trás
Do carro dos meus pais.
Eu falei com você no balcão de informações. Deixei o lugar sem saber de nada
Eu nem soube como te olhar direito, mas saí de lá pensando no seu rosto.
Talvez naquela rua nostálgica pela qual eu nunca passei
Talvez naquela rua onde eu nunca vi nem verei seus pés correndo na chuva
Para me abraçar
Talvez você more lá. Talvez você exista.
"Por isso eu corro demais", canta a voz macia de Adriana Calcanhotto
Mas eu nunca vou te ver.
Ainda assim, eu lembro. Lembro de todas as vezes em que nunca estivemos juntos
Eu ouço a música do banco de trás
Do carro dos meus pais.
Observo quieto o mundo, sem saber o que fazer
Imagino possibilidades para aquilo que poderia ter acontecido
Crio um diálogo entre nós. Escrevo.
Você ri e olha para o chão quando eu falo
Mas quem tem muito a escrever não tem muito a falar
Eu sinto muito. Eu sinto demais.
Tudo ao meu redor se derrete lentamente
Até as coisas explodirem em milhões de borboletas amarelas
Que vêm bater as asas na janela do banco de trás
Do carro dos meus pais.
Um lugar, uma música, você
Todas as lembranças se tornam um só sentimento inominável
Sentimento que tem gosto de silêncio azul
E cheiro de uma saudade do que nunca aconteceu.
Eu não consigo nem sentir a dor de uma despedida
Pois você nunca esteve aqui.
E eu nunca estive aí. Estive ocupado, chorando no banco de trás
Do carro dos meus pais