As estações
Primeira parte (a decadência)
I
Eis uma alma, assustada, solitária... Todos se foram para casa
Para além da paisagem onde repousa o horizonte.
Eis a alma, que desabrochou de uma rosa murcha há pouco.
A rosa assassinada pelo tempo de uma flor.
Agora alma perdida, sem vista além da própria condição
De um corpo nu de alma, translúcido, vazio.
Sem mapas, sem direção, a não ser o sol turvo de outono.
Olha para os pés de plumas e desliza
Pelo asfalto frio de uma cidade que não veio.
Não veio a tempo de ser uma cidade, mas uma idéia.
Qual a visão primeira de uma alma sem templo?
Talvez galhos decadentes, enterrados em troncos.
"Quantas criaturas, meu Deus, suplicantes?"
Só darão sombra sabe-se lá quando!
Vai, tropeçante, segurando os primeiros passos.
Eis a alma sem endereço pelo vale dos pensamentos.
As folhas flutuam como lábios para o beijo.
"Quantas flores mortas!"
Mas só tu, oh, alma, ainda acordada!
Nem um canto, nem uma música de partida,
Nem uma lembrança, nem uma vaga
De murmúrios, nem um tropel de alegria.
Vai, alma, seguir tua estrada ao abandono,
Por onde casebres te contam os "causos"
De famílias que desapareceram da História.
Elas te contam os retratos através das paredes,
Do ruído das portas rangendo, das janelas batendo,
Feito aplausos de um final de espetáculo,
Só que a trupe foi embora, para sempre.
Anda somente, deixa o passado apenas te seguir.
Uma lembrança que não te pertence,
Pois tu és alma crua, uma taça ainda vazia.
A chuva desce. É a tristeza das nuvens.
Foi porque o frio as chicoteou pelo crime que não cometeram.
Sente, alma, a primeira lufada de frio.
Eis pelo que passam os homens, eis pelo que passam as rosas...
(...)