NO BAR

( Somam-se ás palavras, e ás risadas,

os tinires das loiças.

Os cheiros falam a alma das coisas,

e as luzes, meio esbatidas, amareladas,

atenuam nos rostos as canseiras do dia

da grande cidade,

numa suave cumplicidade,

ou quiçá melancolia...)

Num canto, o piano, bem presente,

acrescenta algum refinamento

e molda o ambiente,

desenhando-o em torno

daquele grupinho morno

das músicas do outro tempo...

Temas de filmes, artistas célebres,

conhaques em copos de balão, aquecidos,

alguns requintes, de há muito esquecidos,

vênias de cavalheiros, beijos na mão,

e no ar, por toda a parte,

em volutas perfumadas de fumaça,

a languidez e a graça

dos momentos conservados,

dos amores mais que confessados

em olhares apaixonados e dolentes,

em gestos represados, mal contidos,

e símbolos já tão conhecidos:

-batons, decotes, caracóis, permanentes...

No salão, mas do outro lado,

procurando não incomodar,

os jogadores de dardos,

um pouco mais retirados,

e sem pararem de gesticular,

jogam como quem fala,

e num tom de voz baixinho,

discutem um resultado

mal anotado num quadrinho,

enquanto almejam vãs proezas,

e esgrimem gentilezas

e cavalheirismos vários,

em requintes desnecessários...

E, um pouco por todo o lado,

num acaso pelas mesas espalhado,

e ao contrário dos fregueses crônicos,

nos seus lugares cativos, ao balcão,

senta-se uma pequena multidão

de olhares brilhantes e atônitos,

com os copos bem firmes na mão,

afirmativa, como quem se diz

desejosa por fazer parte,

e incluir-se nessa moda

que vê sentada à sua roda,

parecendo tão feliz...

O bar vive do momento, do rompante,

do improviso, da emoção...

e surgido lá não sei de onde,

contornando a pilastra que não mais o esconde,

vem, já de olhar brilhante,

o meu amigo João.

Em gestos rígidos de Marcel Marceau,

cumprimenta quem o cumprimentou,

senta-se ao piano e num gesto janota,

com uma única nota,

repetida como quem fala,

consegue a atenção da sala,

e nada mais importa...

Baixam-se as luzes e fecha-se a porta,

e corre por todos como um rastilho,

á mágica desse momento fazendo juz,

a reverência ao testemunho insuspeitado

do nascimento sublime de um blues....

Mas o João, já meio chapado,

em vez de um blues lança um fado,

e perde-se em acordes vários,

sem ligar aos comentários

das vozes dos que se ressentem,

nem ás luzes que se reacendem,

nem aos brilhos retornados

dos vidros e dos metais dourados...

(Por detrás do balcão,

como uma atávica memória,

uma registradora antiga,

em presença amiga,

conta a mesma história,

mas duma outra geração...)

2 de Julho de 2007