FRAGMENTOS

Vivia em redoma fechada.

Só a clara luz a trespassava.

O mundo, de lá observava

nem perdida nem perplexa nem cansada.

O que via e vivia

era a grande imensidão do nada.

De tanta lucidez, ela se perdia.

Não percebeu a sombra fugidia

que a envolvia, lentamente, dia após dia...

No seu silêncio ausente não pressentia

que uma paixão ardente se aproximava

e o que lhe faria, a ela que era tão fria.

Colou-se às paredes finas do cristal

na ânsia de descansar da luz, afinal.

Tentou abraçar-se ao que era escuro;

queria sentir o calor de um amor puro.

Mas a redoma resistia... e trincou:

em mil e um pedaços translúcidos ficou.

Ao seu redor uma rede de raios se formou.

Presa entre tantos fragmentos ,

sua clarividência multiplicou.

Mas a trama tênue que a abriga,

pode desfazer-se em alguns momentos,

verter-se em lamentos numa cantiga ...