HUS

(1)

Sobre mim viestes

Na tarde em que eu guardava a plantação

Com braços estirados e vestindo farrapos

Estava inexistentemente triste

Zangadamente vivo

Profundamente cansado

E dolorosamente ferido

Ofereceu-me três encantados sorrisos:

o primeiro abriu janelas, abriu manhãs

o segundo trouxe tua boca fresca com hortelãs

o terceiro me pôs em teu colo, dançamos roda e dormimos ao relento

(2)

Quando fui fragoso andarilho (o fragoso é por minha conta)

Sabia mais dos caminhos que deviam tomar

Do que meu próprio e adormecia só

Só no sempre e sobre pó, pó dos entes (que já não me sabiam)

Eu era Castilho, eu era andarilho... eu era sem brilho

Mas opinava nas coisas, mulher que se veste e padeiro que unte

Homem é sempre homem e um andarilho não é transeunte

(3)

Quando morei em casa grande (sorte eu tive uma vez)

Parei perdido na janela de casa, parei grudado num vestido

Parei com a cara nas minhas mangas ali fiquei entre linhas e furos

Muito pano pra manga, muita agulha e bagulha para se fazer

Era eu cadeira, eu poltrona, eu cortina vermelha, eu janela

Eu feito velha, eu encostado com unha agulha e tortura

(4)

Um dia eu subi numa árvore bem alta e bem larga

Um baobá... gritei do alto de lá para ver se chegava até cá

Eu nasci no meio da poça, no meio dos anões celulares

Nasci num colo faminto e pedinte como bebê do peito que sem leite

Sem leito sem tormento é que devia se nascer. Escreveram, cantaram

Encontrei quem sempre vinha

Vinha sempre aquilo que eu já tenho

Na verdade veio tudo aquilo que eu não via

Segui por sempre com o que me veio na plantação

Quando das andanças fez comigo mudança

Mas costurei tão só e de um jeito tão mal que depois de fazer feixes

Fiz do nariz que eu não tinha boca para meu peixe

Botão era olho meu botão era madeira

Era preto era fundo, era doce e florido

Gente se faz preto e faziam choros organizados de quatro por três

Era a minha vez de dar um tango-lo-mango

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in “Eternal do Tempo, A” – pág. 43 -BN-

Leonardo Martins Nietzsche
Enviado por Leonardo Martins Nietzsche em 05/08/2007
Reeditado em 06/08/2007
Código do texto: T593712