Janeiro

Era janeiro e talvez pudesse ter sido qualquer mês do ano; mas nunca terá sido aleatório ser verão e o mar ter tocado nossos pés, como não sabemos fazer agora, famintos e desertos nós.

Era janeiro e a primavera deixara rastros de vida velados em finados jardins, botânica de bambus e vitórias régias que regiam atos gratuitos - pão e açúcar - sinfônicos alimentos em nós.

Era janeiro, depois da primeira lua nova do solstício de inverno, éramos nós, dia e noite, corpos despidos de certezas, abraçados à presença e à verdade, hoje mentira, nesse abril de crueldade, eco da terra desolada.

Era janeiro e não era Eliot, nem Pessoa, nem homens ocos, nem tabacaria, porque nos preenchia, a nós, isso que não sabíamos, qual crianças, que amor e dor são polvos do mesmo mar.

Era Jano, deus do começo, com duas faces, uma olhando o passado; outra, mirando o futuro; era aniversário, era chegada, era a flor que secou no livro, hoje marca-dor de página desse erro cósmico. Era janeiro e nunca deixou de ser.