O ranger da porta

Acordo em uma noite sombria

Quando de meu sono sirvo anarquia

Ao ranger da porta, só eu me via

Naquele quarto escuro

Numa cama qual murmuro

Um canto doce e duro

Enquanto a porta rangia

"É apenas a casa que dilatar-se-ia

Nesta noite tão sombria

Calma, úmida e fria"

Pensava eu já sem sono

E o medo já me era dono

Logo já não via como

A casa inteira não rangia

"Será um gato que roçaria

Em noite assim tão fria

Na porta, p'ra ver se esquentaria

O seu pelo já frio

Assim gato tão febril

Que só lhe restou o frio"

Disse eu em calmaria

"Vá-se, gato" Disse como soaria

O som de toda ventania

Que já de raiva se libertaria

Por não conseguir dormir

Já sentia obrigado a porta ir

E fazer o gato sumir

Mas abri a porta e nada via

"Foi a dilatação" Disse em euforia

Não o gato que pensei que seria

Mas então passou uma corrente fria

E uma voz me chamou

Naquele quarto me falou

"Venha meu senhor

Conceder-te-ei anistia"

E assim o que mais temia

O tremor de minha fantasia

Não era a porta que rangia

Era sim meu coração

Que em batida que vão

Débeis, em vão

Era ali que partiria

Enquanto caminharia

Pela estrada sabia

Que não veria outro dia

"Diga a seu senhor

Que meu tempo não chegou

Ficarei aqui, não vou"

Logo aquela voz dormia

"Senhor, por que me levaria

Se mais vivo estou a cada dia

Anjo da morte nenhum seria,

No meu dia, necessário

Pois seria bem voluntário

Por que esse escárnio?"

E a voz já sumia

O ranger mortal partia

E com ele minha agonia

Ele enfim compreendia

Ali não era o meu tempo

Não era o meu momento

De sair desse desalento

Mas ele voltará um dia