O Executor

No calar da noite as sombras eram tais

Que suas formas mais que sobrenaturais

Viam-se espectros de tempos ancestrais

E o trovejar teimava a nunca se calar

E dançavam as sombras ao relampear

E eu solitário e lunático ao doce chuviscar

Dançava ainda mais

E como por um surto súbito e sagaz

Refletir-me a pensar na chuva fugaz

Que açoitava-me como a nada mais

Que era tal essa chuva minha doce musa

Que forma a lama que todo me lambuza

E seu frio sortido me fere e me usa

E este que aqui jaz

Ah! Este que aqui jaz na lama me faz

Lembrar-me demais de todas flores tais

Presentes negras e brancas nos funerais

Que lançam seu horror sobre todos nós

Também que atam muitos dos vários nós

Deixados pelo senhor, isso, por Vós

A todos os mortais

Na chuva danço como dança mordaz

Figura excêntrica de um anjo audaz

Que desafiou Sua figura, figura aliás

Que o rejeito me faz o momento

Em que encaro o eterno firmamento

Tão precioso esse tal momento

Precioso e nada mais

Encaro a cara branca deste que aqui jaz

E ele me sorri de maneiras a quais

Minha dança parece-lhe louca demais

E tais que por ela eu mesmo cairei

E com o choro firme não mais chorarei

Pois minha mão aqui cumpria sua lei

Que não a farei mais

Escutai-me o que tão sinistra chuva faz

Vós sois mal, mal e nada mais

Por que forçar-me a crueldades tais?

Não mais e somente poderei rezar

Também tenho que aqui silenciar

Aqueles que não querem, por vós, orar?

O que vos satisfaz?

Meu bom senhor eu já não agüento mais

As ordens. Ah! Ordens tais

Que batem fortes em meus portais

Não vou mais, eu, vos obedecer

Mas sei que essa luta não posso vencer

E a vós vou me ceder

Para nunca mais

E aqui a porta de tão nobres portais

Com ouro detalhando robustos umbrais

Atravessada por aquele que aqui jaz

Ou jazia na minha doce e forte musa

Agora eu sou apenas alma avulsa

Qual o anjo audaz acusa

De pecados demais

E senhor, vós sois bom ou mal demais

Perdoou-me quando eu já não mais

E permitiu que lhe atravessasse os celestes portais

Portais tão belos

Com detalhes de ouro amarelo

Ah! Portais tão belos que quase não quero

Deixar o mundo dos mortais