Uma Tarde que Houve e Outras que Há
Eu poderia resumir todos os sons
todas as paisagens:
o silêncio daquela tarde
aberta como a folha do dia
- o dia aberto em Sol e avenidas
e a vida
(fechada)
como o riso extinto
da boca extinta na palma das minhas mãos
Naquela tarde contrabandeada de perfumes e azáfamas
onde os meninos corriam nus pelas ruas
como uma tarde metida
noutra tarde recém coberta por um novo dia
abrindo parte de uma vida violada
- ali naquele momento
quando o chão tisnado de Sol e fuligem
apagou-se para sempre no meu coração e se foi.
Entretanto, do mesmo modo
que nos entregamos a esta tarde
outras tardes sempre irão existir
longe desta e de nós, limpa
- seja nos olhos de quem vê o bairro oprimido
ou suja na boca de quem jamais o olhou,
porque tardes tardam velozes
e agora tenho o céu azul
sob as mangas
(debaixo dos olhos a linguagem se deita)
e súbito se faz
vôo pela Via Láctea