Uma Tarde que Houve e Outras que Há

Eu poderia resumir todos os sons

todas as paisagens:

o silêncio daquela tarde

aberta como a folha do dia

- o dia aberto em Sol e avenidas

e a vida

(fechada)

como o riso extinto

da boca extinta na palma das minhas mãos

Naquela tarde contrabandeada de perfumes e azáfamas

onde os meninos corriam nus pelas ruas

como uma tarde metida

noutra tarde recém coberta por um novo dia

abrindo parte de uma vida violada

- ali naquele momento

quando o chão tisnado de Sol e fuligem

apagou-se para sempre no meu coração e se foi.

Entretanto, do mesmo modo

que nos entregamos a esta tarde

outras tardes sempre irão existir

longe desta e de nós, limpa

- seja nos olhos de quem vê o bairro oprimido

ou suja na boca de quem jamais o olhou,

porque tardes tardam velozes

e agora tenho o céu azul

sob as mangas

(debaixo dos olhos a linguagem se deita)

e súbito se faz

vôo pela Via Láctea

Leo Linares
Enviado por Leo Linares em 14/08/2007
Código do texto: T607039