Iter doloris
A crista da onda que via em março
Senti-a em tempos singelos e puros
Não sei bem se fora em nó ou em laço
Bateu em meu peito despido de tudo
Sob a luz virginal de um amanhecer
A onda cresceu reluzindo teus olhos
Olhava da praia a espuma envolver
Sentindo tua pele, ferindo-me em espinhos
Teu riso brilhava oceano afora
O sol ascendia tão primaveril
Hesitante eu ia lembrando de outrora
Chegavas em sonho: já era abril
Com o peito autêntico, inocente e leal
A onda tomou minha alma cativa
Teu carinho singelo arranhou-me em sal
Sucumbi mar adentro já quase sem vida
O sol cresceu tanto que cauterizou
Meu peito tão largo, estendi resoluto
Abriu-se em ferida e então cicatrizou
Açoitado em maio, sangrando de tudo
Minha lágrima vã jogada às serpentes
Que emboscavam desde abril o meu coração
Emergem no mar já com tantos dentes
Que me encolho trêmulo em meu colchão
Assisto na calada da noite normal
A minha imponente catedral ruindo
Vertendo para o chão tão putrefato
O mar revolto, fervendo e sorrindo
Nada como a lâmina, esperança exaurida
De tudo o que feriu-me e hoje me dói
Sorri a chegada e amarguei a partida
Dos olhos da moça do balé Bolshoi