O Ifri de Kilimanjaro (ou o não-Magrebe)
Sou um autor africano,
de matriz africana,
de olhar africano,
subproduto do mundo.
O Canal de Suez passa rente
ao portão de minha casa,
e para angariar escravos
joga a poeira estelar
do grão-deserto
sobre a língua bérbere
de meus ancestrais.
Sou um autor africano,
de matriz africana,
de olhar africano,
subproduto do mundo.
Ser teu pigmeu
para com a África adentro
e aos pés do Kilimanjaro
(a neve branca não se desfaz
em estranho limbo);
aos pés do Kilimanjaro
ser teu pigmeu contrito.
Sou um autor africano,
de matriz africana,
de olhar africano,
subproduto do mundo.
A esnobe descontração
no salão paroquial
da Real Academia
Zoológica de Londres
a te exibir por meio de força
(entretenimento quase),
e a medição de teu crânio...
Sou um autor africano,
de matriz africana,
de olhar africano,
subproduto do mundo.
O Magrebe improvidenciando
o monge da Cartago silenciosa,
dos antigos versos de Hipácia,
ou da verve ascendente
dos bispos de Hipona,
renuncia-se de omitir
o homem primeiro.
Sou um autor africano,
de matriz africana,
de olhar africano,
subproduto do mundo.
O grão-vizir para meus rasgos
vai impertinente pelos sonhos
da montanha branca.
Mil azos pela fome sonora,
nas periferias de Cartago
vão bramindo.
Sou um autor africano,
de matriz africana.
E acaso os teus rasgos também.