PALAVRAS FIADAS EM CORDÕES

Quero lhes dizer palavras doces feito mel

Para isso, preciso de lápis, uma boa mão,

Tempo para cultivo e branca folha de papel,

Só assim, fluirá de mim rica composição.

Expostas no varal do dia estão minhas poesias

Feitas das tentativas milimétricas de acertos,

E das inspirações de velhas tristezas e novas alegrias.

Componho futuros na esperança de apagar erros

Ou ao menos minimizá-los nas linhas infinitas

Que vão transbordando sentires, dizeres, flores.

Todo um mundo de significados sacros e partidas

Tantas que presenciei e que me deram dores

De saudade da ponta dos pés à cabeça.

Claro, nem tudo é tormento ou lamento,

Pois com afinco misturo tudo isso à beça

Colorindo, dando outros tons ao sofrimento.

Bebo assim novas cores, tirando o amargor

Da ponta da língua e do lápis que corre entre os dedos.

Cubro com doçura e brilho o despercebido, dou sabor

E nova palatabilidade ao intragável dos anseios e medos.

Talvez essa seja a parte mais nobre do cordel,

Destas palavras fiadas em cordões de rimas,

Limpar a vida destes males, da ignorância e do fel,

É amenizar o pavor da lixa cotidiana, aliviar as sinas

Que nos é oferecida diariamente em pratos rasos,

Enquanto a alma mergulha no profundo do ser

Esperando do Paraíso benções para os desesperados

E novo trajeto muito além de conformado padecer.

Cabe a cada um de nós lutarmos com força e coragem

Almejar ser algo a mais que o comum imposto e esperado.

Falhar é fácil, assim como julgar os outros por bobagem

Ou que avançam sem saberem do meu leito deixado

Todas as manhãs para ganhar poucas migalhas

Deste sistema de cretinos que nos ensinam a aceitação

Daquilo que está errado, cortam sem dó nossas asas

Qualquer esperança de voo ou inesperada superação.

Quantos de nós pobres por imposição

Morrem diariamente sem água, comida ou lar,

Um lugar mínimo de dignidade e salvação

Do mar apocalíptico do mau político a manipular

Toda a cadeia de vida da população?

Esquecemos que somos o leme e mais,

Que podemos nos erguer em multidão

E nos sacudir de todos estes malditos ais

Férreas condições sedimentam distópica ideia:

Mais obrigações menos direitos menos festa.

Suor, dor, suplício, regras, solidão e miséria

Sãos as tragédias que nos restam, máquina certa.

Satisfação pelo pouco dado feito glória,

Mas que não é mais que obrigação do santo ladrão.

Marchamos a pão e circo, engolindo a mesma história

De tempos passados e que perduram e infeccionam a Nação.

Somos escravos por legado, farinha da massa

Para engrossar o caldo dos rendimentos bancários,

E temos por pagamento maldita água suja e rala

Que precariamente mata a sede, somos operários.

Aqui nestas terras tupiniquins impera a corrosão.

A maioria dos homens vive do básico institucionalizado

Para uma minoria de escória, germinada em corrupção

Lambuzar-se em bons regalos sem o ardor do fado.

Oremos à Palavra em busca de sabedoria

Façamos poesia em santa denúncia da opressão

Gritemos! Não sejamos doce e pacata mercadoria

Para sustentar esta roda torta de grata submissão.

Que o povo empoderado tenha o que lhe é de direito

Que o caminho se abra independente das más profecias.

Sejamos, sim, natos festeiros, mas também guerrilheiros de peito

Em busca de uma Pátria onde não brilhe tanta hipocrisia.