Um refúgio pra mente

Teve um dia, em uma noite,

Durante uma festinha,

Em que eu inventei um país,

Ficava lá no pólo sul,

Era uma Antártica feliz,

E no lúdico da brincadeira,

Encontrei um refúgio de giz,

Primeiro as nações, arremedos,

Seus nomes minimamente mudados, bocejos,

Uma Imália, no meio da Itália,

Como se fosse o seu esqueleto,

Um Chile interiorano, miúdo e espremido,

Que começava não sei aonde, talvez, nos Apeninos,

E chegava a ter um litoral franzino,

Acho que um trecho da Basilicata

Ou da Calábria,

Castela, velha ou nova, eu também não sei,

Só sei que a transformei em uma nação germânica,

A desloquei da região mediterrânea,

Ficou logo acima da Saxônia, que atônita, pôs-se a chorar,

Os seus olhos castanhos ficaram azuis,

As suas mesetas centrais ganharam mais consoantes,

Já declarei a independência da Baviera,

E até da Carélia, no ladinho da Finlândia,

Cheguei mesmo a criar uma cidade, escondida e bela,

O nome é tão ridículo que nem ouso revelar,

Deixe-o aí, no desconhecido,

Agora, de cidade, passou para cidade-estado,

De São Paulo, mudou para o mar do Caribe,

bem perto de Trinidad e Tobago,

Rabiscava os mapas, de caneta ou lápis,

Me embrenhava na arte de sonhar,

Acordado e voluntário imaginar,

Como seria se eu pudesse determinar,

Como seria o meu lar,

A naturalidade de um explorar infantil,

Encorpou-se com o tempo, viril,

Resistente, conclusivo, um portal amigo,

Onde eu uso, inconsequente, os meus ideais comigo,

Moldo à minha imagem e semelhança este mundinho,

o meu mundinho,

Que não é mais de criança,

Brinco de Deus, ditador,

De líder compreensivo,

O mundo aí fora é um pesadelo,

Se repetem, sempre os mesmos erros,

O mundo aqui dentro, tudo é mais fácil,

Menos força e mais cuidado,

Na minha mente a minha humanidade,

diminuta,

pelo menos nos meus sonhos, finalmente evoluiu,

Deixou de ser bruta e ao chamado ouviu,

Não foi de sereia, não foi armadilha,

Não foi religião ou ideologia,

Os olhos passaram a ver o que vêem,

Os ouvidos a escutarem o que escutam,

Os lábios a saborearem sem culpa,

A pele a tocar o que enruga,

Os sentidos, todos em seu lugar,

O juízo que, na emoção, confiar,

O passo de dança, sem pisar em pés alheios,

Respeitando espaços, de terceiros,

Quartos, sextos,

Sendo recíproco,

Reagindo, mas também tentando entender, antes de agir,

Tudo certinho no seu lugar,

Como uma máquina orgânica a funcionar,

Sem ser muito lógica, porque embrutece,

Nem muito módica, com quem [não] merece,

Tenho um país imaginário,

Onde testo ideais, ideias, pensamentos,

Em meu tubo de ensaio,

Aboli o sofrimento,

E desde a um tempo, tenho vivido assim,

Metade no meu mundo ideal,

E a outra, no mundo de Deus,

Que parece, não foi feito pra mim...