Em algum lugar
Em algum lugar alguém está compensando,
Não sei se de manhã ou se ao final do dia,
o suicídio da própria vontade.
eu ando de forma escorregadia pelas paisagens da vida
e quando muito, durmo pesadamente sobre as lições
valiosas que ela me dá.
minha cidade existe impávida sem mim, por isso,
passo tardes inteiras deslocado dela, lendo algum
filosofo ultrapassado que se dignifica a me dar orientações
que já não cabem em lugar nenhum desse mundo.
Eu queria poder correr de braços abertos
e abraçar algum fetiche emocional que me prendeu
à alguma maldição hereditária,
para depois correr livremente para dentro de mim
sem temer despejar do lado de fora
as vergonhas que o tempo inteiro tentei disfarçar.
Havia me esquecido que a essência da vida
estava secretamente guardada em um pote
atrás de outros potes dentro de um armário
em que conservo todas as magoas
que não foram derramadas
nos ombros de alguma alma solidaria.
Lá mesmo, nesse pote, conservo também, com muito grado,
todos os outros mistérios que não me foram revelados por algum deus.
Ando desconfiado que a melodia assobiada pelo vendedor ambulante
que escorrega entre os carros é o concerto de violoncelo nº 1,
do assim (rebatizado?) por Mario de Andrade, João Sebastião Bach.
Todos os dias me aguça a curiosidade de saber para onde vão
Todas essas pessoas que passam diante dos meus olhos...
O que elas comem, que música escutam, quais filmes assistem,
que religião professam?
Será que seus gostos são moldados
pela mesma fôrma social que os meus
Que vou regularmente a lugar nenhum e só me movo por que
Em algum momento me disseram que era assim que se vivia;
que só como pelo prazer do vício;
que involuntariamente ouço as músicas que vem até mim
de (artistas?) que deprecio vertiginosamente;
que vejo os filmes sem graça ou sentido
consagrados pela moda cinematográfica
apenas por serem movidos por uma fantasia maliciosa
que deixam em êxtase a criança que já fui um dia;
que rezo para Deus tendo a ligeira impressão que na verdade
estou clamando alguma resposta do meu próprio espírito?
Eu não sei muita coisa; mas ai como eu gostaria de me espraiar
em uma poltrona luxuosa e contar histórias divertidas das
aventuras que jamais experimentei
só para sentir o gosto de uma alegria forjada
Pela falsa simpatia dos que degustam minhas mentiras.
Oh tu que me lês agora, se é que existes,
conta aquela vez que estivemos juntos
e falamos por horas sobre a alvorada da utopia.
conta como sorrimos um para outro diante da epopeia do dia-a-dia,
fala como nos excitamos com o medo da despedida
e diga sobre quando ouvimos Belchior e pensamos na vida.