COROA CAÍDA

Segui o caminho da vida.

Durante a jornada

Machuquei meus pés

Eles encheram-se de bolhas,

Calos e cortes

Um anjo — eu — caiu do céu,

E perdeu sua inocência

Extirpada por mãos de ferro

E jugo funesto.

Confesso:

— Doeu demais!

Havia dias insuportáveis

Onde meus pé[cados]

E pedaços de mim

Acumularam-se pelo caminho.

Carreguei meu fardo

A cruz do meu calvário

Sob a chuva da tristeza

Dialoguei com a morte

Sepultei os meus mortos

E de outros também.

Porém o maior enterro

Fora o do meu coração

Prestei condolências

No meu próprio funeral.

Lágrimas caíram

Minha alma partia-se em cacos

O caos governava

Minha coroa-auréola

Caiu enferrujada e sem tempo,

Cicatrizes ganhavam cores e formas

Na carne, no ser e na mente,

Tornaram-se um mapa da dor.

Perdi-me de mim na trajetória

Na loucura não sabia mais

Se eu era anjo ou humano

Escolhi ser gente, pessoa,

Um vulgar ordinário

Deixei a santidade

A cargo dos Santos.

Conversando com meus fantasmas,

Diante do abismo,

Tornei-me colecionador de feridas

Guardando-as na pele

E na parte subjetiva mais intrínseca.

Todavia, num dado momento

Após a derradeira súplica

Sacudi a poeira

Dei mais um passo

Ensanguentado e dolorido

Dando as costas ao abismo.

Achei o caminho inverso

E uma flor de bálsamo

Refiz minhas asas

Sob a sombra do relógio

Soprou a brisa da alma

Fora me dado a santa remissão

Deus estendeu a sua misericórdia

Numa alfombra amenizando as pedras

Então, apoiado nos sonhos, na fé,

E na beleza dos dias de infinito azul

Simplesmente segui,

Pois o incrível em ser humano é

Que todo aquele que crê

Tem a capacidade

De se reconstruir

A partir do luto e do pó.

E mais uma vez coroar-se

Rei de si e filho do Pai.