Sem título - 24/03/2018
Um padre-nosso rezado em meio-tom
A voz move algo inanimado
Uma amálgama invisível
Todas as visões petrificam-se
Até as balouçantes
A samambaia pendurada ao lado da porta
É agora uma medusa
Desgraçada em sua própria maldição
E sem espelho que a reflita
De joelhos murmura
Um tipo de milonga
Não chega a ser lamento
É mais música cigana cantada lentamente
Por quem quer comer as próprias palavras antes que sejam ouvidas
Enquanto o espaço tangível pertifica-se
Testemunha a alquimia
Palavras sendo despejadas
Escorrendo
Gelatinosas
Amalgamando o dia
Congelando o ar
Imagens
Sons
Grãos de poeira
Não ousa mais abrir os olhos
A despeito da aspereza das coisas
Que raspam sua pele e ferem
E ele continua a ladainha
Ergue um látego
Desfecha um golpe
Dois
Três
Sente correr o sangue
Sente-o endurecer
Pergar-se a sua pele
O braço para suspenso no ar
Não pode movê-lo
Contraí-se
Seu rosto deforma-se
Numa careta de pasmo
Algo entre um Caravaggio em um Goya
Se lhe fosse permitido tal pretensão
O ar para e também petrifica
Forma crostas em seus pulmões
A alquimia fez-se completa
Uma lápide em relevo e contornos humanos
Com toda a sua existência
Palpável
Errática
Dentro
A consciência flui
Isenta de responsabilidade