EXISTENCIAL-INTIMISTA
Tenho na minha solidão um convite:
Quando você vai entrar pela minha porta?
Os olhos pousados no vazio...
a luz por trás de mim não me aquece,
antes ressalta o frio monocromático
que me envolve enquanto apenas espero.
Esperar as coisas que viriam...
pensar nas coisas que se vão...
trazer neste corpo a marca, os beijos, o sexo,
e esperar que alguém entre pela porta
que deixei aberta para quem quiser entrar.
Quem sabe assim eu limpe o chão cheio de poeira,
quem sabe eu escolha a melhor roupa e o batom.
Quem sabe o ar se encha de perfume, este feliz
e não aquele com cheiro de velhice e de passado.
Quem sabe alguém hoje me veja aqui
pousada com as mãos nos umbrais
cantando a solidão em planos cênicos
de uma porta deixada aberta na esperança da chegada.
Talvez...
talvez, meu Deus...
só assim eu crie coragem de limpar as janelas
e as cortinas por onde entra essa luz
que me incomoda por iluminar o vazio dos cômodos
e o vazio dos móveis
e o vazio dos olhos
que olham o vazio de tudo.
Esperar que se entre e se ofereça
ao visitante solícito
uma xícara de café
com três ou quatro colheres de açúcar,
ler alguns livros de poesia.
Drummond, Cecília, Pessoa
jogá-los fora e abandonar tudo.
Inclusive a casa...
para deixar para trás as portas abertas
e o tempo a porosar as paredes
e amarelar as páginas
sem dizer adeus.
Quando você vai entrar por essas portas?