O PRÍNCIPE DE TODAS AS COISAS

Quando a maré subir quero você me dizendo coisas puras

Quando ela descer e estivermos salvos espero que flutuemos

E nos abandonemos... mas não mutuamente

Quando as coisas ficarem negras como uma noite de inverno sem estrelas

Conto com sua música e seu cinismo

Quando formos daqui até a eternidade aguardo o que chamam de presságio

Pois necessito de preparação e fôlego guardado

Minha alma fraca e meu decrépito anseiam por combustível

Quando eu descer até o último andar, o mais próximo do abismo do gelo e da escuridão absoluta

Faço questão de ter seu abraço antes

Quando meus sonhos lúcidos virarem insanidade

E minha loucura for minha normalidade

Serei grato caso possa-me dar um oi da sua torre de marfim

Quando nos separarmos e eu ver você diminuir no horizonte até esvanecer

Aí eu terei certeza de que nada fiz e que nada sou

Quando eu soluçar e o silêncio me engolir como fez tantas vezes

Como uma refeição mal-digerida

Como a marca do carrasco

Como uma prece antes da execução

Quando formos iguais em ânsia e similares na doença

Farei um testamento e o queimarei em seguida

Pois não deixo nada além da minha tristeza

Quando for meu dia de partir para o segundo nível

Olharei pra trás e espero ver seu aceno

Quando minha pele ficar tão macilenta quanto meus pensamentos

Aí você fará um verso e eu ouvirei atento

Até lá estamos num paralelo distante

Numa linha divisória

Num buraco negro estudando a antimatéria

Quando finalmente nos ouvirmos e calarmos diante da prosa do outro

Talvez seja tarde demais

Talvez seja a hora de nos calarmos e desistirmos

Talvez o silêncio, o príncipe de todas as coisas, tenha vencido

Com a mais inexorável das armas

Quando isso acontecer eu então gritarei apenas pra quebrá-lo

E depois o aceitarei como o velho amigo que sempre foi.

Caio Braga
Enviado por Caio Braga em 15/07/2018
Reeditado em 05/12/2018
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