Ode ao domingo
domingo de paz e bençãos
da ressurreição e do vinho
um corpo envolto em linho
dizia-se morto
foi posto em tumba fria
libertou-se do mundo ínfero
acena e diz "sede bem-vindos"
domingo da preguiça
da siesta que se alonga
da cama desarrumada
e janelas escancaradas
alguém observa, da amurada
um prosélito ou vizinho?
domingo de piqueniques
à beira de lagos ou de diques
orla de praia lotada
calções, biquínis, sungas, toalhas
faça sol ou faça chuva
a alegria da moçada
domingo da solidão sentida
da saudade dorida
um ermitão que dormita
entre um verso e um café
lamenta as coisas idas
pessoas, flores, chegadas e partidas
domingo de brincadeira na lage
pipa no céu, camaradagem
carrinho de rolimã no chão
bonecas improvisadas com o que se acha
uma criança é uma criança
ainda que a música que toca não seja pra dança
música de compassos descabidos
numa quadrilha que virou analogia cruel, cinismo
domingo do terno e gravata
da melhor roupa, fina estampa
pois também é dia de escola
da fé, da ovelha, dos que pastoreiam
ouve-se cantos àquele que traz acalanto
que dos mortos ressurgiu
irreconhecível sentado em sua campa
domingo da ágora
da rua, esquina, do parque e da obra
do café que sobra
de ripas, paus e andaimes
um puxadinho se desdobra
e a poeira vai subindo
domingo do vizinho que madruga
do céu azul sem chuva
domingo do agora
eternizado numa foto
de uma roda de amigos
de samba, de comida que abunda e sobra
domingo de adoração ao sol
posturas complexas
côncavas ou convexas
corpos flexíveis dourando no arrebol
domingo do silêncio no mosteiro
dos sinos ecoando e dos cantos cíclicos
um monge só contempla o sol
sua mente vaga por outros sóis acima deste
domingo, que parece passar rápido
seja indulgente com toda essa gente
estica-te domingo
seja pianinho e passe de mansinho
com roupa engomada
de tom azul ou branco
a cabeleira engomada de mechas, achas brilhando
dou-te as boas-vindas
vê se não finda antes que eu possa ver meu amor