A FLORISTA, O REGADOR E O PÁSSARO AZUL

De repente

Notei que ela

já não mais passa por ali.

Quando o dia nasce

A trazer o tênue sol que toca a sacada

Ela já não ouve os pássaros

Sentinelas da primavera

Os das flores que se aproximam.

Desperta a dormir pela vida

Já não sabe sentir

Se é dia ou se noite.

O regador parado

No ladrilho frio como gen

Inerte e paradoxal,

Plástico poluidor da vida

Fica ali a esperar

Como se a observá-la

Num suplício mudo

O de cumprir seu mesmo encargo de vida,

Gotejar àgua ao meio!

Missão quase impossível de continuar.

Os antúrios, aqueles mesmos!

Que vêm de longe,

Floreiam seu desconhecido nas folhas e flores

Todos seus anos ali, nunca contados

Mas aflorados e chorados!

Mais de século de genética perfeita

A se desvendar

Nas cores e nas formatações dos milagres

Reaflorados nos seus cantos.

A despeito da poeira dum tempo que foi

Num conjunto sempre alheio ao meio

ressequido e já

repetitivo de irrealidades...

A vida insiste.

E o regador também continua ali

a esperar pela hora daquelas mãos

Sempre tão pontuais e amorosas...

A saber ser ele

A única opção de hidratar o tempo

Do tudo que agoniza sede.

Eu entro

e logo saio da cena.

Que ali continua

a despeito do meu desespero.

As rugas das suas mãos

são plácidas, francas, fortes e fracas

como é a vida de passagem

Sem fotoshop!

E que devagarinho...

Apenas se rende ao que não se escolheu.

As manchas senis

tremem aos movimentos

dos passos...lentos e desequilibrados,

púrpuras rubras!

Que imitam as folhas

Dos seus antúrios enferrujados e esquecidos

Que se sustentam do vento carinhoso.

E tudo tenta sobreviver na teimosia

Do que sobrou:

Um ficar em pé a pulso: parvus e tardus.

Percebo:

A mulher olha o regador sem enxergá-lo

e ignora as suas flores

dantes pedestais de sua alegria energética,

qual vida simbiótica de "flor-gente"

Agora já sem entender

Que ela também faz parte desse todo.

Dou graças à apatia franca.

Ato continuo...

Um pássaro azul adentra a sacada

Balouça o bebedouro de flores artificiais,

Suga dum sumo seco,

Vindo do mesmo plástico de vida ilusória.

Em seguida e sem desisitir

Ensina:

Pousa no regador de mesma cor

Rachado e inanimado

A procura de

Vida parca e gotejante

destino de

Toda vida ressequida

presa na argila dum vaso.

Vidas encarceradas de legítimos veios...

que ali nunca puderam existir em plenitude.

O pássaro soa seu estridente recado.

Ouço que a mulher já não ouve a vida.

Eu então, capto e aceito o tudo que está ali,

sob o surdo canto do passarinho

que tudo entende,

Grito de vida!

Mas que apenas canta a chegada

do tempo de partida,

O que nos chega todos os dias.

Vejo que o sol se põe lento

além dum Ipê Amarelo

Recém chegado em despedida

já pelo seu chão em tapete...

Lento e rápido,

Como é a vida

Lá no horizonte onde se chega alto

E logo se desce

a tudo se perder de vista...

rumo ao outro lado.

A mim,

Como se para nos curar...

Só me restou fazer um verso.