"Já disse"
O poema solto por aí
anda "me escrevendo"...
De tanto olhar pra fora
esqueço-me de mim
abandono as páginas brancas
sem preenche-las...
quando penso em recomeçar
tropeço em palavras alheias
que eu própria escreveria...
e, fora isso, as lembranças
atropelam-se e me atropelam.
E sempre alguém acaba dizendo
o que eu gostaria de ter dito.
Sempre alguém já disse,
ou vai dizer...
então, eu penso: "por que escrever? "
Mas, por falar em lembranças
vem-me a memória
um cachorrinho estranho
do passado...
cara escondida por uma franja
engraçada.
Seu nome era "Já disse"..
Assim foi batizado de brincadeira.
E, sua vida toda, foi repetir-se
sem mesmo o saber...
Sinto-me às vezes assim
como esse cachorrinho sem nome certo.
Repetindo-se eternamente...
Tudo que agora estou dizendo
ou vou dizer amanhã
alguém "já disse"...
O que persiste apenas
é o vício de dizer...
sem nada acrescentar.
Mas, enquanto preparo a refeição
misturando ingredientes conhecidos
na panela de sempre...
sinto o roçar de um focinho frio
em minha canela.
É o espectro do "Já disse"...
com sua franja esquisita...
querendo um pouco do alimento
que ainda não está pronto...
Sinto pena de sua fome
alimento-o com o poema mal cozido.
E, isso a ninguém, com certeza,
eu nunca disse.