EU SOU TODO MUNDO...
E eu sei que sou negro,
Pois, negros são meus antepassados
E eu sei que sou índio
Porque índios são meus bisavós
E eu sei que sou pobre
Pois, pobres, são meus vizinhos,
Mas, não, minha mente...
Sou humano, não serpente
Sou mais Maria, não apenas Eva...
E eu sou português, moçárabe, cristão novo, judeu velho
Sou a mão macia, rosto enrugado,
Dedos calejados...
Sou povo firme, avante,
Não sou gado,
Guiado por pastores insanos...
Sou mundano,
(Deus me quis nesse mundo!)
Mas, não sou imundo!
Vim do barro, sou de ouro.
E eu sei que sou mulher
Pois, mulher, são minha mãe, esposa, irmãs
E eu sei que sou gay,
Porque gays e lésbicas são meus amigos
E o que importa é serem meus amigos
E o que me importa é terem amor...
E eu sei que sou pobre porque sou pobre,
Me sinto como pobre, me entendi como pobre e,
Principalmente, me irmano entre os pobres.
Sei que devo ser flor, apesar dos espinhos...
Sei que devo ser semente, apesar da terra seca.
Sei que devo ser planta verde, apesar da estiagem
Sei que devo ser esperança, apesar dos muitos nãos.
Sei que devo ser pão, apesar da fome
Sei que, apesar dos rostos feios de reprovação,
Devo ser nome:
Meu nome é gente,
É povo, é semente
É novo, é estante
Cheia de lembranças!
Eu devo ser a bonança, apesar das proibições
Sou o sim, pouco o não, apesar dos senões...
Sou Guiné, Aruanda, Pindorama,
Mariama, ah, a Mariama do Dom da Paz
O Dom Hélder, que não jaz
Pois, não morreram suas ideias...
Mormente em tempos estranhos
Onde marchamos pra trás...
Tempos de luta
Labuta
Escuta
Tempos de História
Dos Bons Livros,
Não dos livros proibidos
Ao qual nos acenam urubus...
É tempo de eu ser vocês,
De vocês serem os nós
Não os nós que não nos deixam ser nós...
É tempo de ser tijolo
De ser pedra, não engodo
É tempo de ser por todos,
Não, apenas, por alguns...
Fechados numa irmandade,
Somos, todos, humanidade,
Apesar de ideias pobres,
Pobres de humanos,
Pobres de espírito
Façamos uma elegia ao tempo
Que, ainda, há tempo de nos redimir...
(José Daniel da Silva)