Elegia dos medos

De repente me veio uma imagem tua, dormindo

O lençol lhe cobria as partes nuas, como nos filmes

E ronronavas como só tu sabes, gemendo e sonhando comigo.

Tenho lembranças das coisas que ainda estamos por fazer

Daquele passeio na tua terra, do calor abafado

E da inexplicável mudança do teu beijo que aqui

No frio me aquecia e aí, no calor, me refresca.

Tenho saudade das nossas danças, do peso

Do seu rosto no meu peito, tenho saudade

Até mesmo das lágrimas sinceras derramadas em brigas sem sentido

Das flores que me lembram teu nome, do teu

Nome de flor que pronuncio apenas no silêncio do nosso quarto

Do meu quarto, vazio, extenso e frio

No teu vestido não corre teu sangue e teu cheiro

Aos poucos se esvai, já se esvaiu, eu apenas

Imagino teu cheiro nas roupas que um dia irão se desfazer

No teu corpo que um dia a terra há de corroer e o que

Irei fazer eu sem você? Errar por estes vales tão íngremes

Sem sequer ter a esperança de te rever? Não, seja para mim

A explicação de outro plano, a prova de outra vida

A descoberta da pedra filosofal, a estátua antológica que ganha vida pelo amante

Seja a natureza, aquele sopro inevitável das manhãs solitárias em que caminho

Pensando na existência de deus. Seja deus

Para que te louvem os homens, para que no sacrifício

Dos meus pés eu adentre tua igreja e mire tua imagem

E que aprenda a não adorar tua imagem e consiga

Te enxergar no canto dos teus fiéis, tu que serás uma religião

Que serás uma santa, minha santificada dama de carne e osso

Que desce do teu altíssimo plano e glorifica teu pobre poeta

Teu triste e dantes moribundo poeta

Teu renascido e novo poeta, luz-poeta, anjo-poeta.

Não...não sou a luz ou o anjo ou o novo

Sou, apenas, algo que anda, que chora e que sente

Algo que te vê, mesmo quando não presente

E é capaz de derramar as reais lágrimas de felicidade

E que sorri de uma calma tão sentida, que tu

Choras e me mordes por ser tão irreal e me praguejas

Pela falta que te ireis fazer, pelos desejos vespertinos

Que irão palpitar no teu seio e não haverá a marca dos meus beijos para acalmá-los

E te peço perdão pela dor que te causo sem querer

E te perdôo pela dor que me causas sem escolha

Pois desse amor não temos porta de fuga nem janela de suicídio

E nessas quatro paredes chegaremos à exaustão dos corpos

Onde semimorto beberei do teu sangue e comerei da tua carne

E te rejuvenescerei do meu espírito para que possas dormir tranquila

E sonhar comigo, enquanto velo teu sono e participo

Da tua vida, pois sou teu irreal, tua esperança de futuro, tua força do amanhã

E tu és minha crença, minha deusa imensa, minha musa simples e confusa

Meu feminino incomparável.