Retrato de uma intenção
Suas cores eram pardas e negras,
de tempos de neblina
em que não se discerne a hora.
Suas formas, difusas e etéreas,
noturnos e gélidos espectros
de coisas inexistentes,
como as impressões fugazes que se tem
quando se olha rapidamente pelo canto do olho
e fica-se com uma arrepiante sensação
de que se viu alguma coisa, contudo...
não há nada.
Primeiro, negou-se explicitamente.
Disse não ser, não existir.
Negou-se enfaticamente,
dizendo-se mero fruto
de imaginação romântica
e de carência, talvez.
Depois, passou longo tempo
na mais rígida quietude,
como quem espera passar incógnito,
envolvendo-se em silêncios cemiteriais.
Um dia, sem mais nem menos,
vestida de vermelho,
irrompeu em carne e osso,
sangue e adrenalina.
Cansada de anonimato, talvez,
desejou ter nome, rosto e
(pedra de tropeço)
razão de ser... Razão de ser!
E ao sentir este último desejo,
estancou atônita e aterrorizada.
Pôs-se então a fugir.
Fugiu, fugiu, fugiu...
até morrer de esquecimento
e tornar-se fantasma de verdade,
alma penada arrastando correntes
sabe-se lá onde...
sabe-se lá por quê...