Natal ou a piedade que pede piedade

Como um mero transeunte, algo me beliscou o espírito quando estava perambulando as ruas nessa época "escarnecedora" - onde solidariedade é um tipo de propaganda para conter per si, o ânimo egoísta e idólatra do self.

Em certo momento, vi um aviso (bem rude, simples, apenas um pedaço de pano com letras inscritas) perto a uma loja de calçados, que continha o seguinte clamor: "seja solidário, ajude as criancinhas desamparadas, elas precisam mais do natal do que você"; - mas logo abaixo do "outdoor", uma realidade delineava um contraste, o fato de que, haviam, inequivocamente, crianças, pais, até mesmos os irmãos, ali sentados, maltrapilhos, sem esperança nenhuma diante da vociferação cristológica pagã do Noel, esperando um deus Mitra passar com sua carruagem para expurgar os males, etc.

Isso não é fundamentalmente a ironia do óbvio: que excluímos a piedade, veementemente através dela mesma? -, gera seu próprio contra-óbvio, assim não é preciso usar o coração transpondo-o para a miséria do próximo (misericórdia: do grego: cárdius coração; miser: miséria), basta criar uma ilusão sentimental capitalista. A consequência última é a mais grotesca possível: no Natal não se reverencia a natividade de Cristo, nem seu resplendor Divino, porém, apela contra as boas-novas deixada por Ele (lembrando que, em acordo com o Evangelho, Jesus não reconhecerá aqueles que negam pão, água aos famintos [Mateus 25. 35 ao 45]); e ainda mascara a violência simbólica que se camufla pela transparência do bem, é sua inversão constitutiva, correndo na tentativa terrorista de alimentar pelos olhos - ou num sentido mais capitalista, consumir, consumir, consumir... Deveras essa é a verdadeira canção natalina: "Então é o natal e a piedade também, que sejam felizes se puderem também!"

Celso Júnior
Enviado por Celso Júnior em 24/12/2018
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