LINGUAGEM AUSENTE NAS ASAS DO VENTO
Por toda parte surpreende por ser vasto e mínimo
e ocultar-se
tanto no ventre escuro de um desejo solitário
quanto na ideia fixa e surda da multidão
espalhada como sementes secas absurdas
o halo, o elo
da língua ávida e muda.
Está na expressão no canto do olho
no sal na palma da mão úmida
quando toca a nuca e aproxima
lábio de beijo e beijo de tesão.
É o espectro de compreensão difusa
que rodeia a fonte luminosa do pensamento.
É linguagem que faz do pintor exausto gênio ativo
e o escritor entre estantes esquecido amante bêbado
de palavra alheia.
É a refração da luz na bruma suspensa,
água ardente tornada vinho tinto.
Mas por conta de um duelo em nós,
cegamo-nos como Édipo em busca da paz gratuita
e entrarmos na prometida floresta do alheamento.
No sonho de judeu errante derramo nas tinas vazias
para que não falte bebedeira.
Sem estar presente fica do meu lado,
verdade.
Somos alta esfera na poeira sob os pés,
vaidade.
Não basta cobrir o fundo vazio do vaso com lama fresca
se o ornamento for tão somente chegar ao verso egoísta
e aprofundar o desmatamento da memória.
Azar é a união poética-política no banquete da república.
Sorte é ver o mar na chuva, dar a face sem lágrima
se do céu desaba mordaça.
Arrebata-nos do rebanho um dedo de prosa,
vamos dançar no escuro da semente
e brilhar na tela do pintor exausto.
Sejamos mirante, miragem do destino sóbrio
para quem se reinventa no endereço bêbado
dessa linguagem ausente nas asas do vento.
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Baltazar Gonçalves