Nada mais urra, nem esmurra

A morte é criatura egoísta, não dá brecha pra contestar,

fugir, escamotear, subornar.

Sua voz ensurdece roteiros, esmurra sonhos, estraçalha

o que se dizia certo, o que se fazia florescer.

A morte não faz gentileza, entra sem ser convidada

e fica estancada lesando o tempo.

Enquanto encerra seu show, decretando sórdido fim,

puxa pelo braço alguns ventos roucos e mambembes.

Enquanto sentencia passos ávidos de vida,

traz à tona a absolvição eterna,

num coração empacado que nada mais respinga,

nada mais urra, nem esmurra.

Hoje vejo a morte mais nua,

com menos vértebras, come menos dor.

Hoje ecoo dentro de mim a morte

num descampado poente,

no qual perfazem ritos enferrujados,

grunhidos esquisitos, pálidos gestos de aplausos,

de adeus.

Dessa morte convicta, insolente, obturo meus

reis, arreios e infames aterros.

Agora tenho essa morte menos aflita,

menos sagaz, menos traíra, menos minha.

Então, insepulto, vou à forra numa folia

de zumbi que tanto quis domar.

E não consegui, só lhe fazendo morrer.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 28/01/2019
Código do texto: T6561226
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