No passar das provações

Envolvido de brinquedos quebrados, teto e paredes empoeiradas, garrafas quebradas e janelas fechadas, folhas com confissões e versos chorados enchem o vazio restante deste universo feito de palavras.

Oculto sentimento que segue na curva de cada rua, no atravessar de cada sinal, no esperar de cada parada de ônibus. Vem em espreita, devagar e cauteloso, gentilmente puxa para longe do centro o qual almejam minhas ambições, mantém-me em sua companhia até que se canse da presa que caçou há tanto tempo com suas mentiras acobertadas como as perfeitas armadilhas.

Cada memória perfeitamente retratada e traçada em metáforas, momentos reestruturados e costurados em parágrafos, crônicas que imitam a parte boa da vida, uma gaiola onde vivem e cantam em fraco assobio as razões restantes.

Pungidas em cores escuras estão as perdas, matizes fúnebres refletidas pela indisposta luz de cada manhã, tarde e aurora. Pintadas sobre tudo que um dia tinha suas próprias cores vivas, censurando e impondo uma nova ordem sobre o padrão de suas tonalidades, consumindo até a última rebeldia colorida desta ditadura paradoxal, criando uma natureza a partir de tudo o que está predestinado a ser no prosseguir desta inevitável queda.

O coração que mal aprendera a andar já tivera que correr estas distâncias imensuráveis nas condições mais extremas e constantes, não é tão fraco o quanto parece, não é forte o suficiente para aguentar a só o que sente, porém possui a determinação mais que necessária para enfrentar sem fugir os ressentimentos mais dilacerantes.

A chuva finalmente veio nesses dias estáticos de nuvens cheias de tempestades, abri-me para sentir suas gotas tocarem o solo quente de meu deserto, aguar as plantas de meu jardim árido, encher completamente os leitos de meus rios secos e vazios, limpar da cabeça aos pés essa sujeira interna manchada em minha alma mortal.

Sinto-me gradualmente capaz de resistir mais do que antes, após a fragilidade vêm os minutos de silêncio, vêm as horas de reflexão, dias de relutar contra o passado, lá no fim há um amadurecimento que vem da dor, porém é longe o suficiente para que a desistência venha no meio do caminho, mas é merecedor o bastante para que valha a pena suportar seus sacrifícios.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 23/04/2019
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