CANÇÃO DOS COITADINHOS

Pobres de nós, oprimidos

Pela razão soberana

E pela história, essa insana

Puta de afetos bandidos.

Somos a vítima pura

Nesse pós-Éden, queridos --

Somos a chaga sem cura,

Negra incisão sem sutura.

Num ressentido distante

Temos o ancião, o patriarca --

De Node o pobre monarca

Sob maldição preocupante.

Temos a marca do imundo

Sob vil barrete ou turbante,

Somos, em suma, o jocundo

Erro orgulhoso do mundo.

Quando gritamos 'Justiça!'

Temos em mente a vantagem

Do privilégio selvagem,

Nossa suprema cobiça.

Tudo que em nós é só falta

Vamos pintar na premissa

Clara : o que perde, o que assalta,

Na multidão mais incauta.

Quando um canalha dos bons

Grasna 'Igualdade de gênero!'

Resvala feio no efêmero.

Focinhos rosa ou marrons,

Piscam, carentes de afeto,

Por seus 'direitos' , seus dons...

Mas de Natura um decreto

Sela nosso 'ai!' sob concreto.

Quanto de Kant é verdade

Útil à nossa bandeira?

Quanto nem fede nem cheira?

Nosso ideal de cidade

Tem fundamentos no obscuro,

Tem por critério a vontade --

Sabe a quimera e a Epicuro,

Sonho de pária, de impuro.

Pobres de nós, oprimidos

Em mil Bastilhas rendidas.

Safras de tinto vencidas

Mancham de rubro os vestidos

Nossos na tarde que avança.

Parvos, dementes, bandidos

Marcham na imensa vingança

Contra o real, que esperança!

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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 22/05/2019
Código do texto: T6653596
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