A CEGUEIRA DO CORAÇÃO

Todo vil nascimento em berço inexistente

procura perto a morte viva e acompanhante;

é a realidade que muito agride nossa gente

e tem a certeza do sempre faltar agonizante.

Nos becos e ruas povoados mora a solidão

a cutucar o fraco ser em sua existência

e a revelar ao cruel mundo um miserável cão

doente, sem dono, sem teto e sem procedência.

Por ali circulam irmãos alegres e felizes

sem a boa visão alcançada pelo coração,

fato normal em mortos sem ação ou aprendizes

do Humanismo e desprovidos de gratidão.

Perdeu-se a comoção no calar das covardias

pelas fugas das realidades de uma guerra

contra enfermos sobreviventes e em agonias,

formadores de uma triste gente que berra.

Se nos vivos há mortos na perda de emoções,

há mortos bem vivos na cena de quem erra

ao desprezar tais semelhantes em suas visões,

como que cortes afiados de voraz serra.

Tem-se a violência de um caminhar errático,

que deixa a realidade contemporânea no ar

e não torna o homem um ser enigmático,

envenenando-lhe com frias noites sem luar.

Salvador, 01/12/1998.