Minha mãe, meu mistério.

Como quem não sabe a origem do que nos deu origem,

Não podia compreender aquela mulher que me pôs no mundo.

Como um filho mais tarde

Irá se deparar com a sua mãe e não lhe reconhecerá senão estranhamente

Porque dela irá se diferir em muito,

Estava eu nessa mesma situação:

Entre o estranhamento e a admiração.

O nome dela: Madalena,

Entre todas as maravilhas e percalços

Incompreensíveis gestos e magnânima bondade,

Cobradora de impostos que viriam mais tarde.

E eu como sua filha,

Pagando o que me era devido,

Amando nesse espaço aonde cabem o óleo e a água.

A mãe criatura da qual todo homem deve libertar-se

E não consegue, sorrindo deita-se em seu colo,

Sorrindo lhe agarra a cintura

E ali reverencia a quem o criou.

Ninho de tantos alentos

De um amor muito particular,

De um agradecimento como se agradece a Deus por ter nos dado vida.

O olhar dessa mãe nos exaspera e nos conforta,

Porque espera de nós seu digno e heróico filho.

Das filhas as mais obedientes,

As que não chegam tarde e sempre compartilham os assuntos da intimidade feminina.

Mãe – esse segredo que eu não entendo,

Da minha principalmente.

Esse berço controverso,

Esse afago assustador.

Minha mãe é minha santa, meu ditador

Ela é minha rosa, meu espinho

Ela é o meu amor, o meu cansaço.

Minha corda, meu laço...

Aonde eu me amarro ou me enforco

Nas dúzias de palavras dela.

Ela é minha liberdade e minha cela.

Quando a depressão assola os dias dela

Colho palavras em ramalhete

Entrego-lhe em mãos...

E ela guarda, não sei aonde, mas guarda.

Eu vejo os anos fragilizando-a

Tornando suas mãos mais enrugadas,

Os fios de cabelos mais cinzados...

Penso em tudo que ela fez por mim,

penso em tudo que já fiz por ela.

Velo o sono dela, pois ela já velou o meu.

Ascendo velas em seu nome,

Carrego as cestas que ela não agüenta mais carregar.

Distraio sua mente,

E quando ela silencia

Silencio também.

Porque minha mãe é um mistério.

E eu sou o mistério que ela pariu sozinha.

Somos um mistério.

Ela salva minha vida e eu a dela.

Ela sente dores físicas, cansaço e abatimentos.

Enquanto ela dorme,

Enrolo seus cachos com as pontas dos dedos.

Ela não me olha, mas eu a olho.

Ela não me vê, mas eu a vejo.

Eu sou a mãe dela nessas horas.

Carrego comigo as dores dela, que me causam outras dores.

Se não estou com ela, ela chora

Se estou ela não me vê.

Quando ela me vê, eu não a vejo...

Seguimos nesses desencontros.

Aonde nos encontramos é sempre bonito.

Aonde não nos encontramos é sempre obscuro.

Minha mãe é minha escada, meu muro.

O sono dela é quase agonizante,

Um sono de redenção

Ou de fuga das lembranças tristes.

Ela dorme como quem morre,

E eu durmo como quem resiste.

Vim dela, ela me banhou também de glórias e misérias na hora de meu nascimento.

Deu-me bênçãos e proferiu algumas palavras de desgosto.

Minha mãe quando eu nem conseguia ver o seu rosto

Já cantou para mim seus lamentos.

Hoje não só dela, mas meus também.

Ao invés de fugir eu fui além, sem sair do lugar

Ela acha que me tem...

Mas eu é que tenho ela.

Ela me pôs no mundo e eu a pus no mundo dela.

Ela me dá colo e eu dou o sentido do colo a ela.

Minha mãe é minha benção, por vezes meu estorvo.

Ela é minha graça, meu mar misterioso

Aonde eu navego assim perdida

Ela é meu milagre, minha senda...

Ela é meu avesso, minha venda nos olhos.

Me dá luz e me cega,

Me ama e me odeia.

Ela é meu tudo e minha lacuna...

Da minha vida a parte que eu menos entendi

E a que mais amei.

Anaís
Enviado por Anaís em 24/09/2007
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