A Gente Morre, O Vinho Fica

De repente me dei conta de que a gente morre. Clarice Lispector jogou isso na tela do meu smartphone e eu reagi com sobressaltado coração. Imaginei Deus fazendo "Psiu, vem cá!" Grave. Sisudo. Eu com minhas filhas sou menos pai para tentar ser amigo e deixar com que elas confiem em mim toda hora que quiserem, e se não quiserem, posso dar de ombros e curtir meu vinho em paz. Inez levou -me a um lugar excelente, em Curitiba, trouxe três garrafas de vinho de lá. Uma tomei no mesmo dia, deliciei-me devagar, tenso, ansioso pelo sabor, pelo cheiro, pelo ambiente que pairava sobre a taça, corpo de mulher, à minha disposição, vinho maravilhoso. Outra garrafa estourou em minhas mãos. Nao me feri, chorei. O vinho não se derramou, mas os cacos da garrafa entraram e não pude beber. Ponto final. Vi a vida indo embora pelo ralo da pia. Deus não queria, naquele momento, aquele vinho, naquele ambiente, com aquele petisco, naquela taça, aquele queijo, naquele momento trágico; tragédia! A terceira garrafa está guardada. É, o mundo está acabando e a vida acaba. Uma coisa ou outra, ou o mundo acaba ou nós acabamos de sair do mundo. A gente morre , o vinho fica. Por enquanto, assisto mais um espetáculo de música popular, com lembrete de não esquecer de pedir "Mais um! Mais um! Mais um!"

Paulo Siuves
Enviado por Paulo Siuves em 19/06/2019
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