Não levo nada...

Nada levo comigo, que possa partilhar...

Levo só no meu pensamento...

Pois em mim, a cada momento

surge uma fortuna ou uma miséria para guardar...

Gavetas cheias, a abarrotar

tenho eu nas ideias, que estão sempre a brotar...

Tanta coisa me persegue

sem um fim que eu possa descortinar

pois nem sempre se consegue

sorrir por fora, tendo a alma a sangrar...

As minhas mãos procuram mãos que não estão

mãos que nunca estiveram, tendo a obrigação de estar...

Há em mim um chicote de opinião

que não me dá tréguas na sua ânsia de estalar...

Nada levo nas mãos, pois o meu destino é dar...

Levo só na alma, que é uma mãe imensa

que se ri sozinha no seu esforço de não chorar

e me dá o calor, que de certa forma me compensa...

Sei que um dia, tudo se resolve

pois de eterno, só tenho o tempo que tenho...

Que é o Deus que tudo envolve

No sopro final da respiração que sustenho!

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 06/08/2019
Código do texto: T6713568
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.