Não se assuste

Não se assuste

mas

um dia

uma tarde

uma noite dessas

vou juntar-te toda

em uma folha branca

e escreverei

de golpe

todo esse disparate

de coisas

que não têm nome

mas pertencem a ti.

escreverei, por exemplo,

esse inventário

de nervos

que me provocam

teu olhos

teus olhos de lua

órfã e minguante

que me aquietam

da angústia

de não te ter por perto,

e da vontade

de te prender em um abraço

que nos libere

plenamente

da censura,

e das ideias

que me ocorrem

enquanto você está calada.

eu perdi as contas

das vezes

que descobri

a mim mesmo

pensando em ti

mais do que tua vida

me permite

mesmo sabendo

do impossível

que serei pra ti

quando a realidade

escura

decrépita

olhar de canto

e nos levar embora.

Escreverei de ti

como um exercício de caligrafia

até que eu aprenda a escrever

com minha mão esquerda

todos os versos

escondidos

em teu segundo nome,

até que minha mão direita

perca pra sempre

suas cordas vocais

e chamar por ti

seja igual

a falar

uma língua morta.

E então,

dobrarei a folha

em duas metades

e guardarei na maleta

de um homem exilado

que junta tudo que pode

com serenidade e arrependimento

e em um salto

passarei pela porta da tua vida

e debaixo da entrada,

sem te avisar,

como o carteiro que deixa

a correspondência

de uma casa abandonada,

deixarei os recibos

de um amor

esquecido.

Não se assuste

mas

um dia

uma tarde

uma noite

dessas

vou juntar-te toda

em uma folha branca

e minha mão direita

te esquecerá

sem rancores

em silêncio

como quem esquece

as chaves

de uma casa que não é sua.

mas nessa noite

que ainda te sinto aqui,

olhos de lua

órfã e minguante,

essa noite

ainda não esquecerei de ti.

P Neto
Enviado por P Neto em 11/08/2019
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