VERSO DE AZUL
Havia quem me contasse histórias...
E a noite vinha muito cedo
Porque a velhinha da minha infância
Dormia cedo e se chamava...
Dindinha!...
Arisca feito a menina de ontem,
Altiva como a figueira guapa...
Contou-me o primeiro encanto
Que a noite sabe guardar
Em seu baú de recôncavos...
Cantou-me a canção primeira
E dedilhou guitarras invisíveis
No aramado azul do meu peito...
João e Maria... Pedro Malazartes...
Tinha vários livros no cofre da alma
E me deixava folhear um a um...
Fazendo neles “orelhas de burro”,
Machucando a face das páginas...
Havia quem me contasse histórias...
Madrinha do meu irmão maior,
Eu a fizera minha também...
O doce do pão-de-ló ficou na língua
Da minha saudade...
E quando ela se foi,
Me revelou o primeiro assombro...
Ensinou-me as lágrimas,
Ensinou-me o lenço,
Ensinou-me a morte...
E querendo secar meu pranto,
Subiu num fio de luar
Para o espaço azul
Do meu sonho.
Sentou-se num floco de nuvens
E de lá me olha e sorri,
Sem jamais tirar a dentadura...
Por isso, a noite é berço de ternura
Que eu soube garimpar, quando guri.