Um óbito em tuas bodas

Fui olhá-la distante

Por entre as flores

A mirar seu branco

Cercado de sorrisos

Inimigos que não conheci

Todos os seus amigos

Seu sorriso refletia

A abundante luz do sol

Ou os flashes incessantes

Procurei uma penumbra

Para esconder meu pranto

Um canto, um instante

Perdi-me da multidão

Da bulha feliz falante

Ilhei-me incontinente

Para vê-la, tão somente

Sem mesmo compreender

Perdi-me em admirá-la

Querendo odiá-la

Mesmo sem conseguir

Meu olhar a seguia

No canto, me encontrava

Seu sorriso não cansava

Eliminando a sombra

Sempre que passava

Seu brilho ofuscava

A neve que invadia

O vácuo que me ocupava

Fugi do teu encontro

Fingi estar perdido

Catei um copo de whisky

Pensei me fingir de bêbado

E estragar sua festa

Talvez causar uma morte

Mesmo que fosse a minha

Vergonha da sua felicidade

Saber que vive bem sem mim

Que não sou sua vida

Querendo nada sentir

Senti-me nada

Esse anel não vale nada

- Que linda a noiva!

Disse a samaritana

Fingi que não ouvi

Irresgatável, meu abismo

Mesmo assim,

No fundo de minha alma

Agradeci

Seu perfume invadia toda parte

Seu sorriso iluminava toda a gente

Olhei para os cantos

Alguém mais chorava?

Não vi ninguém...

Uma guitarra gitana tocava

E seu som ainda aquecia

A imensa flor vermelha

Que murchava em meu peito

A paixão que mora no sangue

Que arrebenta a veia

Que mancha o branco dos olhos

Que tudo invade e incendeia

O sangue que cora na face

Que derrete o disfarce

Tal meu amor, minha ira

Seu anel era uma âncora

Já via seu pulso parando

E podia vê-la engordando

Com o bolo da festa

Sabia que me amava, mas

Como a todo passante

Seu sorriso franco

Distribuía a toda a gente

Queria o pulsar da vulva

Queria um engolir saliva

Queria vivê-la lasciva

E mesmo vulgar, sem culpa

Queria que me arranhasse

Quero que me xinguasse

E que depois me ameasse

Queria tê-la perdida

Desarmada

Enlouquecida

Ensandecida

No rubor do amor

Com a alma esvaída

Queria tê-la vadia

Mulher da noite

Tragando-me em seu cio

Talvez fosse assim

Naquela negra noite

Em outros braços...

Pensava em matá-lo

Em violentá-la

Minha mente não descansava

Resolvi regá-la com álcool

Já sentia no bafo

O morto dentro de mim

- A vida continua...

- Você encontrará outra pessoa...

Disse um anjo da guarda

Bla! Blá! Blá!

- Hipoteco minha alma ao diabo

Se ele a tirar deste circo

Se puder fazê-la me amar

Querer casar-se comigo

Minha alma estava morta

Jazia sob os seus pés

Uma fita negra de luto

Cobria a sua cabeça

A arma pulou da cintura

E caiu nas minhas mãos

O sol se refletia e me ofuscava

Meu passo falseou

Tropecei à toa

Esbarrei em alguém

Ouvi um grito

Aflito já temia

O contrato com o demo

Que rápido vinha

Senti o seu bafo

Vi o seu rabo

Vermelho também

Ouvi um choro

Passos afoitos

Uma mão no pescoço

Um vaso no rosto

Mas não me separava

Da arma maldita

Que, aflita e febril,

De repente disparou

Brandindo uma faca

Comprida, zunindo

em uma das mãos

Um grito abriu minha boca

O vento no rosto

Uns corpos no chão

O sol me queimava a pele

O cabelo enxarcado de sangue

As mãos poderosas de viking

O peito cheio de ácido

Os dentes cerrados

Triscando manchados

Querendo morder

Ouvi uns estalos

Senti as picadas

Das balas dentro de mim

O sangue na boca

De gosto picante

Abrandou-me a fera

Havia pago meu preço,

Atirei-me ao chão

Senti o fungar

De homens cheios de ódio

Chutaram-me... hahahá!

Apertaram as algemas

E me arrastaram, finalmente.

II

Acordei meio aos loucos

Que me miravam e tocavam

Senti-me um pouco deus

Chamei meu advogado.

Enquanto estava dormindo,

Ele tudo resolveu

Que perdi a razão por amor

Que era associado do diabo

Que seguia ordens e tinha contrato

Meu crime saiu no jornal

Escrevi minha história em poema

Um sucesso monumental

Traduzido em cem idiomas

Publicado no mundo inteiro

Todos souberam do meu amor

Queriam fazer um filme

“A outra face de um Crime”

Título que sugeri

Numa reunião, no presídio

Qual a minha surpresa

Quando a encontrei

De tailleur marrom

Com botões dourados

Qual sua pele queimada de sol

A mulher a quem fiz viúva

Cujos sonhos desfiz

Seduzida por cifras vis

Fiz meu papel:

Chorei, me atirei aos seus pés

Fingi querer morrer

Que não conseguia explicar

Que me sentia um monstro

Que estava no meu lugar

Mas, ela lera meus versos

Todos tinham lido

Sabia amor maior não havia

Que a dor alimentou a loucura

Que há dentro de todos nós

No labirinto da razão

Ela pousou sua mão na minha

Retirando-a imediatamente

Fingindo ser fria, sem emoção

Já no papel de rainha

Pronto: cumpri minha missão

Pouco tempo depois

Quando saí da prisão

Com outro livro no prelo

Caí nos braços de Sarah

Pois este era seu nome

Vivi a paixão que sonhei

Que guardara em meu coração

Nossa união agradou o diabo

Que nos regalou de pecados

Fundindo de calor nossos corpos

A igreja anulou o outro casamento,

Que não se efetivara na tragédia,

E, perdoando uma vastidão de pecados,

Nos casou, em meio a grande festa.

A cerimônia foi seguida

Pela imprensa do mundo inteiro

Todos nos abençoavam

Ouviu-se um estalo

Parecia um tiro

Era um vaso que caía

Disseram que foi o pai

Do noivo que eu matara

Olhei para o coitado

- Não é nada, não.

- Presta atenção!

Disse meu cunhado

No final da cerimônia,

Soltaram-se os pombos

Que sobrevoaram a capela

Balões coloridos subiram ao céu

E uma orquestra tocou

Nossa música predileta

Palhaços animavam as crianças

E os adultos dançavam e sorriam

Todos foram felizes naquele dia

À noite, tivemos fogos de artifício

E todos comeram, beberam e dançaram

Sorrisos ecoavam no ar

E eu agarrado à minha amada

Com os olhos atentos a tudo

Possuído pelo medo dos maus

Embriagado de alegria

Cercado de amor por todo lado

Até esquecera que um dia

Sequer cometera pecado.

D.S.