QUATRO DIAS DE ISOLDA E VALDEMAR

dia 1

há um vão de luz

que não permite que cruzemos sombras

cada um em seu campo à espera

de que um dia tudo acabe sem dor

não que doa por se tratar de amor

talvez apenas pelo dilaceramento do cotidiano

que, ao contrário do que se pensa, vicia

e nos faz pensar ser ele o único dom da vida

dia 2

agora há um bater de portas

que não permite que troquemos sons

ouço tua respiração do outro lado

enquanto vigio para que não percebas meu gemido

como também já não temos assunto

fica fácil passar rancores por debaixo da porta

um de cada vez para que a fresta seja suficiente

e para não viciar o ar da casa

dia 3

finalmente o bolor na louça

e cogumelos em xícaras de tristeza

como se a cozinha toda girasse

sugando-nos para o sifão

vi teus olhos no fundo escuro

mas não me pediam socorro

pareciam flutuar na poça gordurosa

orgulhosos da proória alforria

dia 4

outro dia em sua nudez de alabastro

como se não houvesse um ontem tão recente

se o corte já não sangrava

o mesmo não se podia dizer dos hematomas na alma

dei as costas para tudo que levava

tua rubrica como forma de autenticação

nada ficou senão paredes e pregos

e uma mancha de sangue em tua escova de dentes

velha.