HOJE, MORO NA SAUDADE

Hoje, moro na saudade.

Naquela saudade especial,

com que os dias se tingem de dourado,

deixando para trás todas as dores

das horas tristes.

Moro na luz, por cima das colinas,

onde castelos contam histórias

de um outro momento,

em sussurros de ferro trazidos no vento,

de batalhas e sitiadas ameias...

Moro nos altos invernosos,

entre granitos escarpados e verdes esporádicos,

lá, onde os raios assinam nos paredões de pedra

as vontades de deuses mais antigos,

que alguém nos ensinou a ignorar,

mas que nunca aprendemos a esquecer.

Moro no calçamento dos caminhos,

onde resquícios matinais de neve suja

revelam pegadas de lobos

que emprestam perigos ao mundo,

como uma chaga que não fecha,

feita da memória de atávicos temores.

Moro nos sabores fortes das comidas,

E no calor que vem ás mesas,em garrafas rubis,

saídas dos fundos dos quintais,

que, em linguagens próprias de abastanças,

lá, onde misérias passadas já perderam os sinais,

enchem travessas de amor, tradição e esperanças...

Moro nas histórias intermináveis das minhas gentes,

contadas como se conversa fossem,

à volta das braseiras de carvão,

nas noites longas dessas pequenas casas de pedra,

testemunhas arcaicas de rudes traços

que a civilização não apaga, nem promove,

e nem consegue totalmente esquecer.

Moro no alto das falésias sobranceiras,

em vertigens nunca totalmente contidas,

sobre umas eternas águas esmeralda,

que nem o sangue dos que partiram,

em outros rumos consumidos,

deu conta de escurecer.

Hoje moro nas vozes dos poetas,

nos fados antigos das tão cantadas vielas,

e nos trinados doces das guitarras,

enquanto choram acordes de vãs eternidades,

em carinhos de voz aguda, cantando saudades

por entre os beijos surdos de uma viola,

que alguém dedilha em alguma janela...

Hoje, moro nessas vozes perpetuadas em atos de descoberta,

e escuto-me nos amores sempre tão cantados, de Pedro por Inês.

Perco-me, enquanto escrevo os caminhos da minha vez,

tendo nos lábios a poesia doce do que a vida me oferta,

e na alma, um ressoar baixo, de amor profundo,

que, em voz rouca, de vez em quando me diz

que Portugal ainda é o meu país,

e que tudo o mais, é só o mundo...

OUTUBRO, 2007