Ela, a Dona Poésis

ela, a Dona Poésis

certo dia me apareceu com seus olhos de faísca

beijando a têmpora

com seus versos boêmios em forma de soneto

na linguagem de Vinicius de Moraes

a inflamar meu olhar

pois o aprendiz de poesia em plic ploc divaga seu olhar

entre o cotidiano e amores diletantes

em busca da mulher amada

suas letras se fazem faceiras e ligeiras em bocas úmidas

e suco a escorrer pelos lábios

outro dia a poesia me apareceu novamente

com léxicos gramaticais biológicos e filosóficos

era Augusto dos Anjos com sua boca cheia de íngua

querendo descobrir os poros da namorada

e eu fiquei absorto, abismado (coisa de doido mesmo)

como a agonia de um filósofo

e fui embora sem nem mesmo conseguir depurar

toda a maestria contida naquele espaço cósmico

os verbos ali na página transbordava alguma verdade

coisa fina mesmo, que só um cachorro doido

como um Paulo Leminski poderia compreender

e escrever poemas curtos

desses que a gente faz sentado no banheiro

em algum aplicativo de texto

sem corretor ortográfico

foi aí que descobrir Toda Poesia e as letras e a literatura

ficaram cravadas no meu espaço azul

como um pássaro de Bukowski

um aprendiz de poeta que saboreia os textos alheios

e nunca me esqueço que O Bandido Que Sabia Latim

dado a namoros românticos gostava de brincar com palavras

depois a poesia veio a mim como um redemoinho

e o corpo cheio de bala

e uma voz aristotélica e artérias platônicas

era seus afluentes

eram amores que nem mesmo eu conhecia

e fiquei ali como um poeta torto

desses que não é gauche na vida mais

vive mesmo é de perder o sono com Carlos Drummond

assim no meio do caminho foi uma admiração poética

e aquilo foi a gota d’gua para eu começar a perceber

o que era realmente a poesia

naquelas parcas linhas de irrisório artificio

ele, Drummond, desencantou a simplicidade da poesia

num Claro Enigma, que não se explica

ela, a poesia e a sua sensibilidade

rachou meu crânio

e nem mesmo assim consigo usufruir de sua linguística

outro dia ela apareceu com seus olhos de azedume

dentro de um terminal rodoviário

era Valter Di Láscio

o poeta Marginal que perambula em Pernambuco

com seus poemas vorazes organizados em papel A4

que derrama sobre os transeunte e suas valises

as certezas da opressão de um mundo cão

e bobo que proíbe a venda de poesia em estações culturais

esse é um daqueles eternos paradoxos radônios

do Estado, esse monstro de leis e decretos

e eu, como de costume fiquei novamente

admirado, pois, a Dona Poésis sempre encanta

fico tentando sugar alguns bocados de sua avidez

corro nostálgico com poemas pelos pulmões

solitário como um ermitão

ou uma Cora, uma Cecília, uma Prado ou ainda:

uma Ana Cristina César que escreve poemas marginais

e vive dentro de mimeógrafos a dilatar

seus versos curtos com o cílio acesso

e o corpo nu dentro de uma combustão de palavras

ela se mostra, se amostra com seus dentes sedentos

ela, a poesia de vez enquanto surge como romântico solitário

ou como uma ditadura acrílica

ou ainda como um Bukowski com vodca pelo corpo

e versos biográficos

tentando transparecer suportar a dor de viver

entre uma corrida de cavalo e um foda louca

enquanto guarda um pássaro azul dentro do peito

outro dia ela me apareceu dentro de um Fernando Pessoa

em Desassossego, são versos firmes

e tudo ficou tão mistério e angústia e mitologia e biografia

e de forma Metafísica

eu tentei fugir mas já estava fisgado

os tentáculos enormes de O Guardador de Rebanhos

despejou sobre minhas entranhas uma verdade

e isso me fez meditar sobre minha condição humana

mal sabia eu que tinha descoberto Pessoa, por ele mesmo

e todas suas máscaras: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e

as demais 127, algo profundo

e quando li (quantas máscaras e submáscaras nós usamos)

percebi que Fernando Pessoa e suas máscaras eram iguais

e já não podia separar o homem dos pseudônimos

e assim a Dona Poésis sempre me pega desprevenido

outro dia ela chegou na pele de Alberto da Cunha Melo

e seus gritos tão audazes e cortantes em Notícias

que arrancaram minhas entranhas e fiquei

a observar os adoradores das veleidades do concreto

e toda importância depositada na neurose urbana

enquanto observa os justos que leem "O Eclesiástico"

com suas certezas numéricas e boca aberta

ouvia ressoante Alberto gritar:

“a gente escreve poemas cada vez mais

para um mundo cada vez menos”

Alberto tinha razão mesmo

e seu prognóstico inquietante se faz verdade

ou então somos nós a perceber de mais as coisas

que nos deixam inquietos e loucos por algum sentido

e assim deixamos ser seduzimos pela infindável poesia.

Mauro Oliveira
Enviado por Mauro Oliveira em 15/01/2020
Código do texto: T6842645
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