MEMÓRIAS DA INFÂNCIA.
Luizinho era meu amigo,
continua sendo,
a morte é apenas outra
estação.
Era um menino estrambótico,
gostava de inventos,
certa vez , me disse,
que havia demorado,
porque no caminho teve
necessidades,
depois abriu o bolso da camisa
para me presentear,
não deu, o canto da Seriema
havia lhe escapado do bolso.
Luizinho teve decepção,
coitado, pensei, canto não
se prende, canto escuta-se.
Até que tentou justificar,
mas a manhã não estava
para invenção.
Meu avô disse que canto
de Seriema é despossuído
de matéria,
e que só as mão da alma
pode pegar.
Luizinho contestou,
tudo que existe é passivo
de cativeiro,
o canto existe, e tem dono.
Meu avô , apenas sorriu.
Luizinho ficou sisudo,
foi ao quintal,
voltou molhado de orvalho,
disse que acabará de colocar
lágrimas nas coisas invisíveis,
e se deu mal,
minha vó acabou raiando,
as coisas de Deus são palpáveis.
Tudo que não se vê
e não se pega pertence
ao demo.
Luizinho cresceu,
desligue o rádio , que o demo
ta solto.
Vovó não entendeu
a metáfora.
Luizinho cresceu tentando
enganar a vida,
e morreu enganado.
Morreu no bico do litro.
Tentou amar Lucineia,
não deu, a moça era noite
fechada,
era terra que pobre não punha
os pés,
sofreu como um louco,
por não ter seu amor.
Seus ensaios guardo na memória,
seu sofrimento também,
era um menino que queria
ir além,
Lucineia morreu solitária,
não amou ninguém,
Luizinho morreu de barriga d'água,
eu continuo enganando a vida.