Esse anjo torto que me guia

“Quando eu nasci/ um anjo louco muito louco/ veio

ler a minha mão/ não era um anjo barroco/ era um

anjo muito louco, torto/ com asas de avião”

(Jards Macalé e Torquato Neto,

em Let's play that)

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Todo homem que se preza

E toda mulher idem

Tem um anjo bem perto

Eu sei que isto é incerto

Esotérico, religioso

Mas é isso o que ocorre

Não há como ser diferente

Ele poder qualquer um

Aquele que te dá um toque

Um rock antigo

Um poema de outro século

Uma frase de um livro obscuro

Uma estrela no escuro

Um riso de crianças

Uma dança moderna

Um canto folclórico

Meu anjo, por exemplo,

Tem bom gosto

Não tolera música ruim

Literatura sem alma

Poesia sem ritmo, sem vida

Coisa reta, sem nuances

Sem nenhum lance de mistério

É como eu, meio louco

Um anjo torto

Que não marca toca

Inquieto e impreciso

Às vezes me acorda na noite

E me sobra poemas

Me traz sonhos que não entendo

Sentimentos de outra era

Arquétipos

Fala-me de culturas mortas

Na língua dos tuaregues

Canta reggae como fosse rasta

Vive nas nuvens

Mas não erra com pessoas

Sabe se são boas no primeiro olhar

Mesmo que seja mendigo

Vagabundo, bebum, intelectual

Distingue caráter

E me dá toques:

Aparência, raça, destino

Não são medidas de avaliação

Se o diabo dorme no quente

Meu anjo fica ao relento

Dando sinais, lição

Segurando onda

Eu sei, eu sinto

É dele o conteúdo

Certos lances que escrevo

Certas pessoas que me chegam

E vão me dizendo o certo

É, eu tenho um anjo louco

Que já foi tudo na vida

Experimentou todas, outras eras

E sabe que tem que errar um pouco

Ou não se aprende

Ele é meu guia, mas não impõe regra

Fala comigo na linguagem muda

Às vezes faz a rota

Noutras deixa que eu me ache

Com ele intrigo, discordo, discurso

Mas depois concordo

Me conduzo de volta

Confuso

Aí, me dá duras

Mas depois libera

Finge que não vê, não olha

Quando faça das minhas

À toa pelas ruas escuras

Quando me apaixono por mais de uma

E fico horas num poema

Feito especialmente pra ela

Fica na cisma, quando cutuco o poder

E me invoco com coisas podres

Da política

Às vezes me ajuda

Quando saio na mão

Toca sirene, finge polícia

Vai assim me mantendo vivo

Dando toques

Botando música na minha vida

E me dando esses textos. Grátis

Que nem sei a quem serve

Ele não avisa, nem revisa

É mau em gramática como eu

É um anjo ateu

Mas que me obriga à reza

Quando me vem o desespero

Quando entre em parafuso

Fico oco

E vejo que só tenho a fé

No fundo

O prejuízo à frente

Do que me resta de tino

Dessa pouca tinta que tenho

Destuo de tudo

E fixo esse tema agora