Desdizer

Eu tenho alguma coisa a dizer?

Estive pensando nisso,

emaranhado de cordas vocais atrofiadas, e a ponta do lápis afiada.

Não gosto do que escrevi,

porque a honestidade não me cai bem.

A boca sangra, a pele gruda e se rasga;

Fiquei uma semana sem falar com ninguém.

Se eu não tenho nada a dizer,

ainda posso ser poeta?

O que significa ter algo a dizer...

Teias de aranha em meus lábios, a língua já putrificada,

pisco duas vezes, tento conter essas malditas palavras cheias de sentimentos que

correm por minhas veias e aceleram meu coração —

Me roubam o fôlego se vingando dado a covardia.

Se alguém ler esses versos terei dito algo?

Atormentada pelo tempo

O cronômetro na mão direita me indica que não posso dormir;

Na esquerda sinto dezessete anos líquidos escorrendo entre os dedos.

De novo e de novo me pergunto se tenho algo a dizer.

Sinto uma crescente aflição, o porquê não compreendo.

Relembro as coisas que me fizeram feliz, e

as coisas que me fizeram triste.

Todo o ódio, todo amor.

Agridoce lembranças que não serão compartilhadas.

Nesses momentos, não me vejo;

Não me lembro o lugar em que estava.

Me perdi em alguma dessas memórias.

Atormentada pelo tempo,

Tão íntimo e tão solitário.

Não sei se todos os escritores tinham algo a dizer.

As mazelas do mundo ou o amor do mundo.

Quem sabe o que é preciso, tempo?

Suponho que só uma longa conversa do outro eu para o outro eu –

de mim para mim mesma.

Porque acabo de descobrir que tenho muito para dizer,

pois o não dizer, também, diz.