Transvida

Foi num dia às cinco da tarde que ela quase morreu.

Ninguém saberia o paradeiro,

o telefone,

o acontecido.

Não seria sequer mais uma nas tão faladas "estatisticas" porque teria evaporado feito água no sol.

O corpo dela? Violência aos olhos puritanos.

O jeito,

a fala,

as roupas,

ela.

Foi num dia às cinco da tarde

quando estava indo à uma cachoeira

fazer uma consulta

para descobrir enfim quem eram seus protetores.

Tivesse sido na volta a hora em que ela subiu na garupa daquela moto

isso não teria acontecido - pensou.

O corpo,

o jeito,

a fala,

as roupas,

ela.

Sem proteção de santo,

de deus,

de pai,

de mãe,

foi que ela viu quem conduzia a moto passar o ponto em que ia descer

e assumiu a consciência do fim do tic tac do relógio da vida.

Se jogou numa ribanceira,

melhor o suicídio à violência que ia ocorrer - sofreu.

a arma.

santo pai, a arma!!!!

rolou, rolou, rolou.

Caiu numa pedra que se lavou de sangue.

Sem dentes.

Por duas horas ficou escondida no meio do mato

a ouvir o som da morte fantasiado de motor de moto.

Duas horas que duraram uma eternidade.

O barulho cessou,

a noite foi caindo.

Ferida, sem ninguém,

levantou e caminhou a agradecer pela vida.

Me contou o caso sorrindo

com a alegria de quem por pouco escapa da morte.

Morri um pouco ao vê-la encenar tudo...

A tão catastrófica doença da hipersensibilidade.

Nina Cerqueira
Enviado por Nina Cerqueira em 05/03/2020
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